26.6.13

O professor

Era um daqueles mais conceituados em seu departamento. Bolsas de estudo lhe eram concedidas sem esforço e para seus orientandos, além de premiações diversas e alguns livros publicados. Um, inclusive, estava sendo traduzido. Tinha a vantagem de ser o primeiro professor da área a escolher a grade horária das matérias que lecionaria na graduação e na pós, e ainda com uma penca de alunos na lista de espera, ansiosos para assistí-lo ao menos uma vez por semana. Chamado para muitas reuniões e convidado para conferências em várias universidades no exterior, mal tinha tempo para tomar uma cerveja vendo uma partida de futebol ou beijar na boca. Quando se olhava pelo reflexo no vidro do carro, se via mais velho do que se sentia por dentro. Mas o cansaço sim era real. Alguns de seus companheiros já lhe perguntaram por que razão não tirava férias nunca, e outros mais chegados, se ele não tinha intenção de se casar de novo. Divorciado há mais de sete anos, com um filho que vivia com a ex mulher, na mesma cidade, em bairros próximos. Não o via com a frequência que queria, mas sabia que era um bom menino, estava feliz e que gostava de ler, apesar de tanto videogame. Não tirava férias porque não estava acostumado a isso. E já viajava o suficiente. E não, claro que não, ademais, casaria com quem? Algumas noites depois das aulas, lia os alemães. Outras, os russos. Acreditava que a mulher ideal era Kirillov, de saias, e com grandes lábios. Muitos papos sérios, chá à tarde e vodka à noite. Dispensava a literatura fantástica. Era ateu, mas gostava de pensar na ideia de Deus quando lhe convinha, e sabia que sua veia politizada se contentava nessa idade com uns artigos postados em seu facebook. As vezes, após o jantar, entrava na internet e buscava filmes antigos para ver no sofá. Anos 30, 40, 50. Depois imitava as grandes atrizes, gestos e trejeitos, e treinava seu melhor inglês americano no chuveiro. Espetáculos aquáticos para si mesmo. Seu espelhinho para fazer a barba servia de câmera. Uma mulher travestida de homem podia ser sexy, mas um homem vestido de mulher era cômico. Só de imaginar suas pernas peludas comprimidas por um vestido curto já ria de si mesmo e enquanto tinha imaginação suficiente para se masturbar sem apelar para a lembrança de suas belas alunas cruzando as pernas na sala de aula, aproveitava. Não, não queria passar a ser esse tipo de professor. Se secava e abrindo o guarda-roupa, buscando um pijama, fingia ser a super-mulher, o que uma vez pensou ser seu alter ego, a versão feminina do personagem de Nietzsche; que escolhia sua melhor peça, rodeada de plumas, subia de salto alto a montanha para meditar e ousava orgasmos só com o pensamento jedi que tinha. Todos os gaúchos tem um lado meio obscuro mesmo. É a proximidade com a fronteira. Apagava as luzes e dormia.

Ellen Maria

Movimento

Antes dela chegar, todos já sabem que virá. Porque antes dela se solidificar, seu perfume já lhes assoma e lhes presentea: paz; como um sorvete, que se chupa suave e de olhos fechados; como um cheiro morno de café com leite; uma brisa de campo outonal e também de terra quente. Assim, podem esperar por ela apenas vagamente surpresos, olhando pela porta, espiando pela janela até que...
Ela se apresenta tímida, vai cumprimentando a todos devagarinho, dedicando atenção a um, depois a outro. Todos sorriem com sua entrada, que floresce até aqueles mais escondidos, no canto da sala, do sótão e do porão; a amam, porque sentem sede de amor.
Com o passar do tempo, o sorriso apolíneo dela dá lugar à música guardada, a risa solta. O ambiente festivo libera outros perfumes que não só o dela, suores e sabores se mesclam liberadamente. Tudo o que era sólido e difícil começa a se dissolver sem dificuldade. Uma sobreabundância de fluidos, líquidos, ainda bem vindos. Ela parece estar na sua forma mais espontânea, genuína.
Até que essa sensação lânguida bruscamente se transforma em ameaça. Os olhos não se acomodam, e ela, ainda que bela, mostra seu lado bruto, masculino, até violento. Seus gestos são mais angulosos, sua voz passa a ser mais estridente; sua presença constante, aberta e ampla converte a normalidade em desconforto avergonhado aos convidados. Embora indecisos se derrotados ou compreensivos, fica impossível disfarçar a expressão de fatiga, por ela permanecer ali. Todos sabem não há como expulsá-la: é a natureza berrando aos quatro ventos, aquela energia contida pungente posta pra fora... mas é que ela provoca urgência a qualquer um que a vê!
Pouco a pouco, vai se acalmando, trazendo um alivio generalizado. Ao mesmo tempo, no fundo de cada um deles, há um sentimento sufocado por, ela, dessa vez, não ter cometido nenhum ato verdadeiramente potente; por dessa vez ela não ter trazido nenhum perigo real a eles, nenhum corte profundo. Afinal, ela, nesse momento pequena, bem poderia: ébria, é capaz de ser cruel até com a criatura que mais ama, se assim desejar. Mas esse segredo cambaleante segue aspirado. Se alguém falasse, desabaria. E ela está tão linda, recuada e primitiva.
Por fim, resolve se despedir. Seu perfume novamente exala sensibilidade e ninguém se sente habilitado em julgá-la; a observam ir, com ingênua saudade. Na verdade, sentirão envelhecidamente sua falta, e ansiarão incondicionalmente a próxima festa. Porque sabem que sem ela tudo seria seco, irremediavelmente seco, sério, falho, mudo.
Ela era essencial para que todos pudessem mentir, se exercitar, sentir fome e ser conscientes de si. Ela, doce, amarga, ácida e salgada, era a chuva que todos queriam ser.

Ellen Maria

24.6.13

A ti te gusta el sexo no a mí

Fantasia
é sentir poesia
fazendo sexo.
Valentia
é sentir sexo
lendo poesía.
(Ellen Maria Martins de Vasconcellos)

"Los juegos del destino: ella viene, tú estás, recorren un mismo espacio (deja el asiento, lo tomas; abres la puerta que acaba de cerrar; observan en tiempos distintos los detalles de un techo de cristal) sin conocerse y sin molestarse por ello. Se va pero en poco años vuelve (siempre volverá), se miran, hablan, beben, se besan y descubren que anteriormente –sin saberlo y sin haberles importado- han sentido sus olores. ¡Ah, qué extraño! ¡Sí! ¿También naciste el mismo día! No solo eso, tú me filmaste en el evento. Imposible. Te muestra un video donde casi que la ignoras con la cámara. Se siguen besando. Se aman. Furtivamente, es cierto, ninguno quiere y es mejor no aceptarlo, pero se aman.

Descubrimiento del cuerpo: no tiene mayor importancia volver a hacerlo una o diez o cien o mil veces más porque en lo que va de tu vida descubriste que hay cosas más placenteras que el sexo y creíste en ello aun antes de que otro lo dijera o lo leyeras en algún lado o simplemente imaginaste que un pensador importante profesaba lo mismo y te alegró la idea de no ser el único en sentir ese pequeño desprecio por el coito y asumiste una posición imposible de sostener después de haberla visto llegar al orgasmo tres veces consecutivas y sentir que a pesar de tu mal estado físico no querías dejar de sentir el calor de su espalda y la humedad de sus piernas ni abandonar sus pechos ni cintura o sus gemidos aun a costa de caer en el fracaso conceptual ideológico y epistémico que suponía tu incontrolable deseo de tenerla siempre desnuda.

Reflexión: consideras que sería bueno escribir al respecto, pero no sabes por dónde empezar. ¿Qué título le pondrías? ¿Cómo revelarás tu nueva perspectiva sobre el sexo sin ser tan estúpido de escribir en el encabezado algo que explicite: “Me gusta el sexo”? Comienza el desánimo. Dejas tu escrito a medias. Tranquilo, hombre, está todo bien. Piensa que es como el sexo: aburrido, no siempre llegas a terminar como quieres. Entonces observas que soy un pobre imbécil que nunca tuvo buen sexo y vuelves sobre el teclado. Tratas, pero no avanzas mucho. Oyes música y por azar llegas a un blog de poesía. Sin muchas ganas lees unos versos: funciona. Sigues leyendo y al poco tiempo encuentras un breve poema que te hace abrir los ojos y sonreír: acabas de hallar la punta que desenreda todo el ovillo que tienes en la cabeza. Improvisas un análisis a tu conveniencia. Decides que aquel poema será el epígrafe de tu "ensayo".

Exégesis a la medida: lo único que nos interesa señalar en nuestro análisis es la importancia del “sentir”, que finalmente es el verbo principal de todo el poema: para la voz lírica es fantástico (en la medida que sobrepasa los límites de lo común y lo normal) cuando se practica el sexo pero lo que siente es otra cosa: poesía. Esto nos permite deducir que el camino, el nexo o la conexión por la que podemos acceder a algo tan abstracto, intangible y sublime como la poesía, lo encontramos en algo tan concreto, palpable y físico como el sexo. Es decir que el sexo (el bueno, claro) es un camino de placer ascendente: va de lo terrenal a lo astral. Respecto de los demás versos diremos que en esta ocasión no aspiramos a agotar las posibilidades de análisis de un poema tan rico como este y hallamos conveniente concluir nuestra exégesis en este punto.

Secretos del analista: aunque te parezca vulgar y te avergüence admitirlo, sentiste – y más de una vez- ganas de conocer a la poeta y acostarte con ella. Aún ahora piensas: quien sugiere que el sexo se esgarza con la poesía, sin duda, debe tener el mejor sexo del mundo: el tipo de sexo que ahora en adelante siempre esperas tener: la segunda vez mejor que la primera y la tercera mejor que la segunda y así hasta no poder mover las piernas. Pero no te preocupes, quién te dice que un día no vas a Brasil, se conocen, te presentas como un admirador –aunque en el fondo sabes que eso de admirar es, más bien, un recurso bien sabido por ti para parecer simpático- y así ella accede a mostrarte ese maravilloso sendero por el que se llega a sentir la experiencia lírica en la propria carne.

Conclusión y protección: después de todo algo más te intriga y es que no sabes cómo hacer para que cuando publiques esto los demás no crean que fuiste tú quien lo escribió y sabes que eso de que el autor “real” y el narrador no son la misma persona no te va a funcionar con tanto cojudo suelto si ni siquiera los estudiantes de literatura entienden bien la diferencia menos lo entenderán tus padres o tu novia que seguramente pensará pero conmigo nunca ha tenido buen sexo quién es esa perra que le ha enseñado y se armará la grande pero en tus cincos minutos de genialidad se te ocurre valerte de un recurso estilístico bastante utilizado en toda la literatura de occidente y es casi ofensivo que solo se te ocurra esto pero no intentas hacer una revolución estética solo deseas evitar las explicaciones a la gente cercana que leerá tu texto incluso si algún día conoces a la poeta del epígrafe podrás decir que eso de tener sexo con ella solo fue parte de la ficción y con ese supuesto desinterés tuyo puede que generes cierto interés de su parte y terminen teniendo sexo como realmente quieres entonces la solución es tan buena y tan simple como crearme a mí a un narrador que rara vez abandone la segunda persona y de este modo hacer cargo al lector de un sentimiento de culpa o vergüenza que es solamente tuyo y entonces el incauto pensará en todas las veces que ha tenido malas relaciones y en la persona que por primera vez hizo que lo disfrutara y así olvidará que eres tú quien revela que apenas ha descubierto que el sexo es uno de los grandes placeres de la vida y no él ni yo y aunque me siento mal por ello no puedo hacer más que seguir obedeciéndote despiado escritor pero además como eres excesivamente desconfiado decides volver a quitar todos los signos de puntuación para distraer a cualquier lector experimentado que pueda descubrirte acusarte con tu novia y así arruinar tus planes y ese temor te hace pensar que para mayor distracción y confusión podrías seguir explicando lo que escribes como la aparente impertinencia del primer párrafo donde hablaste o me hiciste hablar de un supuesto amor pero todo esto ya te fatigó y finalmente piensas en el último elemento de tu jueguito dizque literario el cual consiste en  colocar en el título una afirmación que implica al lector y que supuestamente yo anuncio y tratas de convencerte de que con ello basta pero no logras ver en tu torpeza que el título va dirigido solo a ti porque todos sabemos que Manuel Acevedo no existe por ende el narrador tampoco y bien sabes que tu lector es apenas otra desesperada construcción ficcional lo cual finalmente comprueba que ninguno de nosotros gusta del sexo como tú.

Manuel Acevedo"

22.6.13

O fantasma (ou A sombra assombrosa da ditadura militar)

quanto mais reza
maior o fantasma
quanto mais se fala dele
maior o fantasma
quanto mais se pede pra não falar mais dele
maior o fantasma
quanto mais se roga para enterrar ele
maior o fantasma
quanto maior o fantasma
mais vivo ele está.

Ellen Maria

19.6.13

posición para iniciar vuelo

el pájaro
se levanta sin miedo de la caída patas alzadas
sobre los hombros las alas alcanzan
el mar por tiempo indefinido tus ojos
la respiración cierra mi grito
se estalla silencio en la niebla.

Ellen Maria

18.6.13

Los poetas nunca pecan demasiado

Mis ganas están en mirarte la boca 
hasta que te olvides del youtube y de los talibanes muertos destrozados,  
Mis ganas están en tomarte la boca 
hasta que te olvides de tu miedo de convertirse en un alcohólico tarado, 
Mis ganas están en lamerte la boca 
hasta que te olvides de todos los pilotos de moto velozmente estirados, 
Mis ganas están en comerte la boca 
hasta que te olvides de la imposibilidad de hacer tu soñado doctorado, 
Mis ganas están en morderte la boca 
hasta que te olvides de la cuenta que a tu ex novia has pagado, 
Mis ganas están en besarte la boca 
hasta que te olvides de todas las putas que te han chupado.

Y esas ganas se quedarán guardadas
quizás después olvidadas
De tanto poematizarlas
ya te fuiste,
y no tuve tiempo de concretizarlas.
Los poetas nunca pecan demasiado.

Ellen Maria

16.6.13

entonces

"Entonces hay un sigiloso instante
en que los ojos buscan en los ojos un vuelo de gaviotas,
algo que es suelo y señuelo, una consagración y un laberinto de murciélagos,
lo que en la oscuridad surgía como un planer tanteando,
una piel que se enfriaba y descendia, un ritmo roto,
se vuelve convivencia, santo y seña, arranque
del viento que se estrella contra la vela blanca,
el grito del vigía nos exalta,
corremos juntos hasta que la cresta
de la hola cenital nos arrebata
en una interminable hola de espumas,
y recomienzan los naufragios, la lenta natación hacia las playas,
el sueño boca abajo entre medusas muertas y cristales de sal donde arde el mundo."



Julio Cortazar, "Ultimo Round", 1969.

11.6.13

G.H.

Clarice me mata.
Mas não me deixa suicidar.
Peregrina pela via
crucis do meu corpo,
Faz de mim uma água viva
e da minha descoberta do mundo,
uma felicidade clandestina.
Arranca do lustre de casa, a hora da estrela
e da cidade sitiada observa
uma legião estrangeira.
Desata meus frágeis laços de família
e em um sopro de vida,
me transforma em bela e em fera.
Mas não importa onde estive a noite,
meu coração selvagem
permanece ainda seguro
tal qual uma maçã no escuro.

Ellen Maria

10.6.13

Querida eu

Querida eu, aos cinco anos,
Você acabou de aprender a ler. Parabéns! Nunca esqueça de agradecer a paciência da tia Cláudia e da tia Rosângela do jardim de infância.
Sua antipatia preliminar e desconfiança com qualquer ser vivo faz parte de você mesma: procure se aceitar, porque mesmo depois de grande, você vai continuar encontrando muita gente que te ache um porre por causa disso. Mas tudo bem... ajuda a selecionar seus poucos amigos na vida.
Você tem um sobrenome estranho e que é, ao mesmo tempo, o mais comum dos sobrenomes (Silva), mas não se apegue a ele: aos seis, você vai perdê-lo.
Não fique triste: você vai ganhar outro mais bonito (Vasconcellos), que vem junto com um pai novo, presente e apegado. O processo de adoção vai acontecer na sexta-feira que antecede o Dia dos pais, por ironia da vida, e você vai atuar como uma criança linda e meiga. Tente lembrar disso.
Seu novo pai vai usar barba a vida toda e vai te tratar não só como filha, mas como amiga, depois de seus dezoito anos. Seja atenciosa com ele.
As vezes, você vai fazer um esforço para tentar lembrar do velho pai (e só vai lembrar de seu bigode); vai ficar magoada e se sentir rejeitada pelo primeiro homem da sua vida; vai se preocupar se pode ter alguma doença genética vinda dele ou de sua família desconhecida... tente não ligar muito pra isso. Quase todas as doenças têm tratamento e cura. Quanto à ilusão de rejeição do seu pai biológico, ela te fará uma pessoa mais dura com todos os homens que passarem por você. Muitos deles vão reclamar, e alguns te chamarão de coração de pedra, mas uns poucos vão ver o quão especial você é, por essa mesma razão.
Você vai chegar aos dezoito anos e ainda estará na escola. Vai repetir o último ano de uma maneira ou de outra: brigas na escola, perseguição da professora, notas baixas em matemática, seu novo namorado, viagem de formatura antes da hora.... Então, aproveite e relaxe. Serão dois terceiros anos bem aproveitados. Só não coma tanta pizza de calabresa que vai te fazer mal.
Terá alguns namorados e vários casos não sérios. Será traída logo de cara, trocada pela melhor amiga bem rapidamente, escutará vários foras e desculpas esfarrapadas, presenciará brochadas e ejaculadas precoces, levará algumas porradas, e se sentirá às vezes a culpada de todos os males. Mas nada vai fazer você deixar de ser ansiosa para se apaixonar novamente. Será cada vez mais exigente, cada vez mais consciente, mas cada vez mais vai amar intensamente.
Ah! Claro... será poeta. Então todo drama ganha uma lágrima, toda tragédia ganha um poema. E pela mesma razão, toda sua prosa vira poética. Desista de uma vez de tentar ser jornalista. Você vai escrever, mas não será notícia. Publicará algumas crônicas em antologias, mas seu negócio mesmo é poesia. Vai demorar pra se lançar em livros só seus, mas calma lá, que sua hora vai chegar.
Você conhecerá muitas partes do mundo. Grande parte por mérito de seu estudo. Mas não se vanglorie! Você não é das mais inteligentes. Pena muito para aprender qualquer coisa, e várias vezes vai desistir na metade por causa disso (violino, tênis, escultura, equação da circunferência...), mas, ao contrário da galera, se alguma coisa realmente te prende, você se firma nela.
Aliás, "meta" é praticamente seu terceiro sobrenome. Nascida no mundo capitalista, ainda que numa família não abastada, você vai perseguir suas metas diárias e não se conformará se passar mais de três dias sem cumpri-las. Terá mania de organização e certa obsessão com calendários e horários. Nada doentio, mas certamente, irritante para os que te observam de longe e de perto. Serão elas que de alguma maneira te ajudarão a cumprir prazos e a conseguir bolsas de estudo. Só te peço que deixe um pouco de espaço para o improviso. Ainda que não o utilize quase nunca, você também é boa nisso.
Peço que você tenha cuidado com o excesso de bebidas alcoólicas (do segundo ao quarto ano da faculdade) e com todos os argentinos que ver pela frente (dos vinte e um aos vinte e cinco). E que meça as palavras com as meninas do ginásio e do colegial, porque elas podem fazer da sua vida um inferno, e, principalmente, que meça as palavras com a sua mãe, nos três primeiros anos da faculdade. Se não, você fará feridas na pessoa que mais te ama nesse mundo. De resto, você vai tirar de letra. Ou melhor, de letras!
Cuide-se bem e ande sem pressa.
Um abraço (porque beijo você só vai gostar de receber depois dos dezesseis),
Eu, aos vinte e seis.


Ellen Maria

Timón

tragedias humanas y dramas de verdad: no los viví.
los que pasé fueron realistas, pero no reales.
es más simple fingir vivir que vivir
porque aun así es verosímil.
Vivir exige mano firme.

Ellen Maria

7.6.13

Fantasia
é sentir poesia
fazendo sexo.
Valentia
é sentir sexo
lendo poesia.

para Armando Freitas Filho

Ellen Maria

6.6.13

Depois de Clarice (II)

Extenuada, Cícera saiu da sala procurando um abrigo. Doía-lhe o peito como se alguém lhe tivesse dado um abraço muito apertado. Também sentia o estômago revirado, como se ele tivesse tido uma discussão com o resto de seu organismo enquanto ela assistia a aula. Poucas dezenas de passos e chegou ao pátio da faculdade. Enquanto caminhava, buscou algum canto só seu, com os olhos, e já não aguentando parar sobre suas pernas, arreou-se, apoiando parte das costas numa árvore. Clarice lhe dilacerara. Antes de examinar se por perto havia formigueiros ou outros insetos que lhe causassem aflição, respirou fundo e relaxou também os braços. Por um instante, estava segura.

Ellen Maria

A abordagem

              Levantou, e antes que pudesse pensar no próximo passo, Armando lhe adiantou, perguntando que é que faria agora. Nisso ia começar a pensar, disse Eduardo sem pensar em ser simpático, tirando o celular do bolso; e por uns segundos, os dois permaneceram em silêncio, não para refletir sobre qual seria o seguinte movimento, mas para que passasse aquela pressa constrangida de Armando de enfrentar-lhe antes de qualquer possível ação. Com isso e mais o fato de apertar a própria mão direita, como um desses toques claros de nervosismo, Armando confessava tudo. Eduardo notara, desde a segunda aula, onde sentaram de frente um para o outro, naquele semicírculo proposto pela professora, que o olhar de Armando sobre ele era de curiosidade. Agora, na sexta aula, passada a etapa de reconhecimento de pequenos gestos e sinais na fala que convidava a expressão de sua homossexualidade, Armando, deixando de lado a timidez, como havia prometido a si mesmo antes de sair de casa, esperava uma resposta de Eduardo mais amena que Nisso ia começar a pensar. Eduardo então soltou um Não sei, acho que vou pra biblioteca bastante negligente, mexendo em algum aplicativo no celular e caminhando em direção à porta. Armando, não reparando na desatenção forçada de Eduardo, caminhando atrás dele, investiu todas as suas esperanças em Hoje é sexta, melhor vamos por uma cerveja?
                Há dois anos, Eduardo havia construído um estereotipo para os gays daquela faculdade: bêbados nas baladas, eram vagabundas, sóbrios na universidade, eram puras beatas, que não ousavam olhar nos olhos sem desviar depois de três segundos, nem muito menos chamar outro gay para fazer qualquer coisa. O convite inesperado de Armando fez com que a mirada de Eduardo largasse a tela de seu iphone para encará-lo, virando-se de frente. Armando lhe olhava fixamente. Eduardo por fim sorriu, e consentiu. Só então, Armando, com a mão direita, enxugou o suor de sua testa ansiosa e baixou os olhos; passou por Eduardo, ainda parado olhando-o, e se pôs a caminhar lentamente, como um gesto de alivio e triunfo. Eduardo então lhe examinou, de corpo inteiro. Era bonito, além. Foram juntos em direção à saída mais próxima.

Ellen Maria

5.6.13

Tango del tiempo globalizado

Llegó por último y a mi lado se sentó
Hizo ruido pero, aunque con descuido,
su cuaderno sacó;
A la pizarra digital empezó a copiar
al mismo tiempo que contestaba que no
a un mensaje del celular.

La chica parecía desearse,
mirando al señor
aquel chileno que hoy
lo llamamos de invitado profesor;
una alumna coqueta
que con todo concordaba
con la cabeza
mientras se armaba una trenza
que le quedaba bonita, decía
el espejo, que del bolso sacó sin pudor.

Después de comer una banana
hizo de su pupitre, su cama
se duerme y casi ronca
lo que a mí me dio bronca;
Le doy con el hombro un empujazo
ella se despierta de un cagazo,
y ya que no escuchó nada de la charla
baja la mirada y se levanta
sin ninguna verguenza sintiendo,
parte sonriendo.

y aunque me llamen de nerd o porteña
pesada, extremista
o falsa brasileña
no me importo!
Que me envien a la isla de Morel,
desde que no más encuentre
con una sola estudiante
que haga mal su sencillo papel.

Ellen Maria

4.6.13

Polisipo

afagando el enfado
hasta que se torne
fado.

Ellen Maria