27.12.14

cenário

não há nenhum nome onde morar
tudo é estrangeiro
não há nenhuma expectativa lograda
é o menor dos males
melhor parar de contar
há quem sofra por antecipação
há quem deixa a pedra no meio do caminho
e só volta a olhá-la pelo retrovisor
ou nem isso
abaixa os óculos escuros
e segue a vida
passando no débito
paisagens
há quem coça o olho
pra ver tudo embaçado
mas esse está numa rede
já longe dali
há também os que desistem antes
e quem vai sem saber o endereço
nem o botão do ejetar
há quem vai mas volta antes
foge pra debaixo da cama
ou pra qualquer cama
e geme para dentro
há quem se ocupa com ideias
ou imagens
conheço quem apela a outros seres
não há nada de novo
que bela infelicidade

Ellen Maria
DF jan/2015

26.12.14

Fim do fado

As trinta fantasias possíveis
transformadas em trinta cigarros
as trinta palavras mais lindas
convertidas em mais de trinta tragos
são trinta mulheres esquecidas
são trinta poemas dedicados
trinta livros que tinha guardado
e você só me diz não estranhe
se apareço de braço dado
a outro
são trinta as formas que tenho pensado
em dizer obrigado (irônico) por não me dizer nada
antes desse adeus frustado
no mês que faço trinta anos
findas as tranças da nossa filha
imaginária
o trilho que nunca te trouxe
de volta pra mim hoje 
traz a pior notícia de seus lindos lábios.

Ellen Maria

23.12.14

Mandarina

"el otoño despliega su hálito sobre todo, despacito e inexorable. la lluvia me ha despeinado, o peinado, no lo tengo claro, pero me enfría la cabeza. frío que siento en las manos y en los hombros aunque los lleve tapados. tengo hambre y, en casa, lo único que encuentro para saciarme es un bol de mandarinas. pelo una y devoro y saboreo cada uno de los gajos. entonces observo las pieles abandonadas en el plato limpio, y pienso que es un desperdicio. y me imagino frotándotelas en el pelo, para que después se me pegue el olor en mis dedos, y las siento recorriendo tu piel, aunque tú no te despiertes, y me llega tu calor mezclado con un rumor de patio de colegio. me bebo la inocencia ácida que exudan tus ojos cerrados. y me lloran los míos salpicados por las gotitas que me llegan de exprimir tus mejillas. el naranja y el rosa combinan pecaminosamente bien. te amo, te lamo, te adoro, te devoro. mi extraña pelotita naranja que aún no he mondado, porque aún estás en mis manos y no te he descubierto."

albert

18.12.14

My first poem

Think a book
take this thing
imagine that scene
and kill the quill.

Ellen Maria

16.12.14

Saudade de Ellen Maria

"Como un viento que entra por la costa
como un rumor de alta marea
de abejas que se despiertan al unísono
como una premonición de sereno
como el olor del incendio
todo comienza en mi cabeza
Ahí se agitan los barcos contra el muelle
así se desperezan los erizos
ahí parten las parvadas hacia el sur
Yo ando con un fuego anticipado
Yo cargo el peso de mi cuerpo
sobre una única columna
que en el instante edifica sus mármoles
y tensa sus enredaderas
Qué alienación de mundos
Qué par de islas gemelas
sobre las que yerguen dos volcanes activos
Qué noche tu cabello
derramándose sobre tu espalda
Qué olas quietas rompen en tus tobillos
Quisiera no pensarte tanto, no verte en todo
pero tu cuerpo salta del paisaje
invade como el mar bajo mi piel
como un ejército de hormigas
como un himno en las iglesias
como un temporal como la arena
La soledad es un tesoro que desprecio
una tierra a la que renuncio
un trono sin pueblo ni lacayos."

Manuel Colina

Tempo

O preto já não é tão preto
O branco já não é tão branco
Deixo de molho em água morna
peças sensíveis
Deixo secar na sombra
sem deixar o que tem brilho virar fosco
As roupas me mostram que o tempo passa
a ferro do lado do avesso
ou sou eu que digo a elas?

Ellen Maria

13.12.14

Teoría del cansancio

Me senté en el medio del camino
me gritaron piedra
me tocaron piedra
me miraron piedra
me quisieron piedra
no lloré, no moví, no canté, no sentí
me cubrieron de musgos
hormigas e flores
me hicieron un poema
me tradujeron
proyectaron llevarme a un museo
cuando al final descansé
yo con mis retinas libres
me levanté y partí.


Ellen Maria

A fábula da pedra

Talvez o título falte
É bem provável que falte

O título foi tirar o título
Atingiu a maioridade

Entrou em coma
Antes deixou por escrito:
Doador de órgãos

Nenhum outro título no mundo
o substitui

Mas foi possível
viver sem o título

Hoje borda ponto cruz
sabe o ponto da bala
e não sonha com o ponto final.

Ellen Maria

Educação

Sem culpa de haver sido
cavalo
quando podia ser somente
homem
no direito de permanecer calado
tal o animal
prefere ainda deste as patadas
e daquele a capacidade de humilhar o próximo
com seu garbo
não havia salvação, pensavam uns
mas melhor que sacrificar
é derrubá-lo de si mesmo
marcha lenta
marcha lenta
sem reproduções do coice
até o dia em que as ferraduras
se tornem peso de papel.

Ellen Maria

12.12.14

claxon

Hoje me lembro daquela noite
e tento pensar quanto tempo durou
que horas começou e quando terminou
enquanto escuto gotas vindo de um xilofone
no meu fone de ouvido
e escrevo
e arranco a cutícula
como faz ele também na ansiedade
E aquela noite
às vezes parece um instante
um só instante no mudo e no rec
estou gravando, eu sei que estou gravando
você fala e eu não ouço nada
eu te abri a porta
você joga meu computador no chão
eu não lembrava, minha amiga me lembrou
quando falamos disso semana retrasada
você me cospe
não não isso foi bem depois
você fala mais e joga as coisas
eu não consigo te escutar
procuro raciocinar
eu já não tenho tv
não tenho cama
eu me preocupo com você
e a minha integridade física
o que será que a polícia ia falar?
minha amiga acha que eles iam me culpar
são sempre eles
e de repente ganha som outra vez
com o final da música
você volta a gritar naquele instante
que eu coloco a mão no bolso
e tento tatear no celular um um um nove e
você agarra minha mão e diz
você não precisa ter medo de mim
e me solta da parede
lembro dos seus dedos
meus braços contra a parede
foi puta ou pelotuda
os dois ou não sei
não sei mais se isso foi antes ou depois
de você quebrar a outra parede
chutar até quebrar
e eu não sabia se te puxava ou se fugia
depois te entreguei meu dinheiro pra você ir embora
e você disse que não ia
depois que ia
que eu não tinha nada de dinheiro
que aquilo era nada de dinheiro trinta e dois
reais eu lembro que tinha pouco dinheiro aquele dia
e você chorou
não sei mais se foi nesse dia que você sentou e chorou
acho que foi nos dois
eu não sei como nem que horas você foi embora
eu não lembro se tranquei a porta
acho que tranquei
não lembro se liguei pra minha amiga
ou se
acho que fui ver se meu computador funcionava
da outra vez eu tinha limpado tudo
os cacos
as farpas
quanta madeira tinha naquela casa
dessa vez eu não me lembrava
eu não me lembro se deixei tudo pro dia seguinte
dessa vez eu fiquei ainda mais transtornada
da outra vez você dormiu em casa
eu no sofá
no outro dia você acordou triste mas sorrindo
dessa vez você foi embora
porque não morava mais lá
acho que tranquei a casa inteira
hoje eu penso que eu parecia bêbada depois
sem acreditar desacreditada
a música acabou e você foi embora
não tem mais ruidos em nenhum lugar
nem hoje agora
escrevo em silêncio
acabaram as gotas faz tempo
nunca mais consegui ver um copo quebrado sem lembrar de você.

Ellen Maria

11.12.14

Gente das letras

Dividindo os cílios que caem
a sujeira do umbigo
a história dos filhos in vitro
o coração inteiro
(você fica com o fígado)
a calça e o chocolate
para o mendigo
um poema amigo
a falta de alma
(ou a celebração da memória)
o artigo
a casa, a cama, o lençol macio
as pílulas, as contas
os planos e o veredicto
multiplica os sonhos
o resto a gente escreve
o mundo em portunhol antigo.

Ellen Maria

Tenho quebrado copos

"Tenho quebrado copos
é o que tenho feito
raramente me machuco embora uma vez sim
uma vez quebrei um copo com as mãos
era frágil demais foi o que pensei
era feito para quebrar-se foi o que pensei
e não: eu fui feita para quebrar
em geral eles apenas se espatifam
na pia entre a louça branca e os talheres
(esses não quebram nunca) ou no chão
espalhando-se então com um baque luminoso
tenho recolhido cacos
tenho observado brevemente seu formato
pensando que acontecer é irreversível
pensando em como é fácil destroçar
tenho embrulhado os cacos com jornal
para que ninguém se machuque
como minha mãe me ensinou
como se fosse mesmo possível
evitar os cortes
(mas que não seja eu a ferir)
tenho andado a tentar
não me ferir e não ferir os outros
enquanto esgoto o estoque de copos
mas não tenho quebrado minhas próprias mãos
golpeando os azulejos
não tenho passado a noite
deitada no chão de mármore
estudando as trocas de calor
não tenho mastigado o vidro
procurando separar na boca
o sabor do sangue o sabor do sabão
nem tenho feito uma oração
pelo destino variado
do que antes era um
e por minha força morre múltiplo
tenho quebrado copos
para isso parece deram-me mãos
tenho depois encontrado
cacos que não recolhi
e que identifico por um brilho súbito
no chão da cozinha de manhã
tenho andado com cuidado
com os olhos no chão
à procura de algo que brilhe
e tenho quebrado copos
é o que tenho feito."

(Ana Martins Marques)

10.12.14

Mal da eloquência

Aqui descreve
Pêro Vaz de Caminha
o achamento das Índias.

Allá no escribe
pero va y camina
lentamente hacia las indias.

Ellen Maria

Ora, direis, não tem humor?

"Não espero exatamente do Brasil, a esta altura, um Monty Python, e já não leio há anos a Folha e os grandes autores contemporâneos nacionais que lá escrevem, a não ser quando algun amigo virtual posta um artigo precedido por aquela curiosa repetição da letra K para demonstrar seu riso. Gosto de riso, caio como mosca no mel. Pessoalmente, preferiria que brasileiros não usassem a letra K desta forma, pois sempre me faz imaginá-los não rindo, mas cacarejando sob um capuz branco pontiagudo. Poderiam usar o R e o S juntos, como fazem outros, ainda que isso sempre leve minha mente para o Rio Grande do Sul, e sei que é preciso escrever um poema sobre o Rio Grande do Sul, mas eu estive lá o mesmo número de vezes que esteve Drummond na Bahia. Sempre sugiro o inglês LOL, porque me lembra o SOS, e penso que todo riso tem seu aspecto de braços agitados em alto-mar, o corpo já meio submerso."

Ricardo Domeneck

Descubrimiento verde y sol en un páramo indecible

A Ellen
"Donde
            viejas ciénagas
            prístinas aguas
donde
           la negación de la piedra
           y la reivindicación del musgo
donde
           la trágica gota
           rompe en claros
           veloces colibríes
donde
           antes ruinas, abandono
           abatimiento
donde
           una tranquila emergencia
donde
           abrevan fúricos
           caracoles de viento
donde
           cáusticos leucócitos
           se amotinan
           contra los pronósticos
yo
           que entre otras palabras
           no creo en el alma
sin más
           dejo caer esa
           como el lugar donde me habitas."


Manuel Colina.

5.12.14

Quando não digo seu nome

Quando não digo seu nome
falo de tantas outras coisas
da minha lista
e menciono os coelhos que comem tabasco nos campos de cenoura da Holanda
e relato sobre os pinguins estuprados por focas numa ilha do Atlântico Sul
e descrevo como uma pessoa pode entrar em auto combustão
e detalho acerca da senhora que acordou falando três novas línguas
e converso ante as vantagens de comer pão sem glúten e tomar leite sem lactose
e rio de nervoso.

Ellen Maria

Cantiga

(Para William, quem afinal sobreviveu)

Foi assim
que depois de um pedido
afasta se não eu atiro
com direito a lágrima
e abraço de amigo
o gatilho não dispara
e a suposta vítima
fica de cara
desacredita
ainda por cima
(e ainda bem)
eram balas de festim.

Ellen Maria

Manobra fiscal

Tá bom
que a economia
não anda bem das pernas
não anda com as próprias
pernas
deficiente, (pobre!)
precisa de cota
bater a meta da rifa
hora extra
pra comprar cadeira
de rodas
que o déficit bateu em minha porta
Abre a porta fora
do ponto
que ela já vai descer
(mas pimenta nos olhos
dos outros é refresco).

- Senhoras e senhores,
põe a mão no chão.

Ellen maria

Música

O encontro com um, que é outro
e ao mesmo tempo conectado
não como se fossem dois
ou só um
mas como uma unidade dobrada
Sem pensar em números
ou em mitos platônicos
Mas na forma
e conteúdo
da mínima nota e metáfora
Sem jogo de palavras
somente o encontro
entre letras, lunares e miradas,
os dedos se tocam, tocam,
fazem contato
livre expressão inventada
Pausa
Volto ao ponto
rosto sério, fixo
decisão tomada
depois um sorriso
que é abrigo das tempestades
caladas
só pra dizer que fico
ou melhor dito, que vou
(passagem comprada)
só pra dizer que fico
ou melhor, repito, eu voo
(passagem comprada)
Não há mais como dormir
nem despertar
sem pensar que há no agradecimento
beijo na mão
de olhos fechados
Obrigada
cheio de graças
sem saber a duração
do desejo que hoje me cheia
semi colcheia
e ultrapassa escalas
Dando nó na rosa
dos ventos
Caminho de lado
descompassada
E mostro dentes
e sentimentos
sem medo de ser
sem medo de ser inteira
ainda que rime com nada.

(para Victor, que durou
o tempo que dura
uma canção dos Ramones)

Ellen Maria

4.12.14

margens desbordadas

(Para Ricardo Escudeiro)

Mergulho
mas nado de peito
Me debruço
mas durmo de lado
nos teus poemas
molhados
sono lentos

Um retrato
de meu tempo
sem espaço.

Ellen Maria

Retratos

Eu não me lembro dos meus avós paternos
Eu tinha quatro e cinco quando Emilia e Osny faleceram
Não tirei foto com eles
e depois nunca consegui falar deles
Mas sempre que viajo sozinha
e encontro uma borboleta branca ou preta
sorrio e digo Oi vó ou Oi vô
Na minha cabeça,
eles têm a cara da Virginia Woolf
e do Carlos Drummond de Andrade.

Ellen Maria

2.12.14

Confraria do Vento

O frio que inspeciona o apartamento
vem com as cartas que chegam
por debaixo da porta
e se acumulam
sinal de outros tempos
ou os mesmos
ou ainda dos que ainda não nasceram

é que na espinha jazeu o último medo
ou o primeiro
e por hora
o coração sua em outro trópico

Volta, volta
sabe que volta
mas quando
não importa

Com a internet
as contas são pagas
e as distâncias de quem permanece
na cidade se encurtam
enquanto agora
o coração sua em outra de suas
voltas

já sem medo
já sem tópico
só felicitando quem está de peito aberto
no inverno
dançando
lá fora.

Ellen Maria

Un poema

Que no sucumban en las miserias
con miedo de las trincheras
Que no cierren los ojos
con miedo de las trincheras
Sí, es cierto que parece que todo ya fue a la mierda
No, no sabemos cómo hacer para que no se vaya
todo a la mierda
pero la sangre sigue latiendo
la sangre de varios sigue corriendo
y aunque haya más sangre fuera que dentro
mientras haya una sola gota hirviendo
habrá fuerza, habrá vida, habrá sueño
Habrá quienes vuelvan a mojar los ojos.

Que no sucumban en las trincheras
con miedo de la explosión
Que no cierren los ojos secos
con miedo de la explosión
Sí, es muy posible que todo explote
No, no sabemos dónde va a caer la granada
hasta dónde va el hilo de la dinamita
a quienes van a rescatar con vida
a quienes van a dejar hasta que se acueste la muerte
Pero habrá quien rescate, habrá quien resuscite
Habrá quienes vuelvan a mojar los ojos.

Luchamos
aunque haya mucha explosión
aunque haya mucha miseria
aunque haya mucha sangre y polvo
y granada y mierda
El sueño de los heridos renuevan
nuestras fuerzas
La libertad de los desaparecidos
late en nuestras venas
Las lágrimas de quienes ya fueron
mojan nuestros ojos.

Ellen Maria

Foe gras

Eu poderia morrer afogada
no óleo natural
das linhas da testa
de Willem Dafoe.

Ellen maria

Divórcio eterno

para meu pai.
Ressentido
ele mal fala dela
ele ainda fala dela
ele ainda fala mal dela
ele ainda pensa sente fala xinga ama grita aos céus odeia ela
é por isso que ele ainda
se odeia tanto.

Ellen Maria

Performance

Y en un acto
de presencia
mi personaje
articula
el epitáfio
:

aquí yace
un texto
aún en proceso

Ellen Maria

Poética

Escribo
para traducirme.

Ellen maria

Meias Notícias II

Dezembro, por fim.
Acabou agosto.
Já era hora de começar o inverno.

Ellen Maria

1.12.14

Sabiduría familiar

Viéndote pasar
con prisa casi
que también me apuré
pero al mirarte un poco más
yo acá con mis madres
pensé
arena que mucho brilla ofusca
ya decía mi abuela
mucho trabajo para poca perla
y a la concha mía
me volví a meter.

Ellen maria

Testamento

una vida entera por ti
pero no esta.

todas las gotas que he derramado
todas las gotas
las gotas
que he derramado
derramé

el agua es un bien renovable.

Ellen Maria