17.9.17

Optimismo

“Abrumado por el tabaco y la cultura
y convertido en un engaño por su propia clase
estaba esperando la revolución
por la desnuda, terrible acción de los otros en la calle.
Pero detrás de los cristales
a cubierto del viento social donde toda culpa
entra en crisis con sus razones podridas,
resolvió que el cambio acontecía en las pequeñas mutaciones
permanentes del cielo y el polvo,
en el giro de la cuchara en la taza de té,
en las decepciones periódicas del hígado,
en la muerte de papá y de las moscas”.“Abrumado por el tabaco y la cultura
y convertido en un engaño por su propia clase
estaba esperando la revolución
por la desnuda, terrible acción de los otros en la calle.
Pero detrás de los cristales
a cubierto del viento social donde toda culpa
entra en crisis con sus razones podridas,
resolvió que el cambio acontecía en las pequeñas mutaciones
permanentes del cielo y el polvo,
en el giro de la cuchara en la taza de té,
en las decepciones periódicas del hígado,
en la muerte de papá y de las moscas”.
“Abrumado por el tabaco y la cultura
y convertido en un engaño por su propia clase
estaba esperando la revolución
por la desnuda, terrible acción de los otros en la calle.
Pero detrás de los cristales
a cubierto del viento social donde toda culpa
entra en crisis con sus razones podridas,
resolvió que el cambio acontecía en las pequeñas mutaciones
permanentes del cielo y el polvo,
en el giro de la cuchara en la taza de té,
en las decepciones periódicas del hígado,
en la muerte de papá y de las moscas”.
“Abrumado por el tabaco y la cultura
y convertido en un engaño por su propia clase
estaba esperando la revolución
por la desnuda, terrible acción de los otros en la calle.
Pero detrás de los cristales
a cubierto del viento social donde toda culpa
entra en crisis con sus razones podridas,
resolvió que el cambio acontecía en las pequeñas mutaciones
permanentes del cielo y el polvo,
en el giro de la cuchara en la taza de té,
en las decepciones periódicas del hígado,
en la muerte de papá y de las moscas”.

Giannuzzi

16.9.17

A vida moderna

Sempre tenho tanto medo        de perguntar        a verdade
como        o que foi        qual doença        sofreu?
quando foi        eu sei        quais os pêsames
conto até        a postagem feliz        outra notícia        outra foto        festa
há três ou quatro dias        que partiu
será que        o algoritmo mostrou
isso de dois        três        meses
agravou        hospital         família        amigos
três ou quatro anos desde        que o vi
a máquina me mostra        fim de ano        frio
mercado natalino        quentão para dois        uma esquina perdida
ruas londrinas         fim de semana
três ou quatro dias em        Londres        desde então
sem tempo        com pena        eu soube
um amigo        a janela        vinte horas antes de ir embora
estava doente        outra doença        eu acho
tinha tantos        e-mails a mandar na        cabeça
sempre tenho tanto         medo        de saber a verdade
Rob Packer

15.9.17

El equilibrio

Así esta mañana
bebo en un dedo
de tu mano
y nado en un hueso
de tu brazo
en un sol desollado con
cabeza de muerto
Así esta mañana pesco
el pez inseparado
que separa el
cerebro
Peyote de la flor
hambrienta
que se come la primera
mosca
Yo me baño en ti
y en el tiempo
Yo pesco en ti y en tiempo
Yo bebo en ti y en tiempo
Yo florezco al primer
equilibrio

Serge Pey

14.9.17

Apesar de não originais, se bastavam
tantas vezes decepcionados pela previsível repetitividade do mundo
hoje se surpreendiam com a textura de uma pele
ora, todas as peles não são apenas células mortas?
eles já não enxergam o contato entre elas ou o que as agarram ainda
a outras camadas mais profundas
mas de fato, também não há nada de original nelas
uma pele, um pouco queimada, da mesma cor que tantas outras
com pelos e pintas e pontos possivelmente preocupantes
além de pequenas cicatrizes, marcas de obstruções de poros e picadas
apesar de não originais, velhos e cansados
e necessitados de uma camada não muito fina de vidro, lente de aumento
armação de aço que até começara a perder a tinta
enxergam essa pele
como se nunca houvesse nenhuma antes
pele retida por essas retinas, como se nunca houvera nenhuma imagem
e ainda que datassem mais de quarenta anos de vida,
luz, sombra, poeira e lágrimas,
aquela pele ademais histórica
e impregnada de memória
e atos falhos de outras miradas
refúgio de alguns corpos e comida para ácaros,
recebia o presente de ser admirada, recém descoberta
pelos olhos deste homem.

13.9.17

tenho medo...

tenho medo de matar
as plantas
construí pra elas um pequeno deck
do lado da janela
mas talvez o sol 
não seja suficiente aqui
explico pra elas que a palavra
“mudança”
em português
tem um sentido duplo
concreto e metafórico 
que roland barthes diria
que isso é uma sorte
uma “boa disposição”
essa mesma que nós
elas e eu
devemos ter 
os meninos sobreviverão 
o gato sobreviverá 
mas elas
elas precisam me ajudar

Paloma Vidal

12.9.17

“De verdad esto no nos lleva a ningún lado. 
Si supieras lo que de verdad vale el tiempo no lo usarías para esto”

Samanta Schweblin

7.9.17

Manter

Que difícil que é pedir
um ato de presença.
Um ato que dure depois da representação.
Um homem performa de vestido longo
diante de duas pessoas
que já disseram muito.
Agora se observam marotos,
tímidos e emocionados.
Podia ser teatro da baixa Augusta,
podia ser ficção de escritores personas
(publicada pela Patuá),
mas é real. Um matrimônio
sem parcimônia. Também é político,
mas sem golpe dessa vez.
Em um presente que muda tanto
e tantas vezes,
o que fazer para manter?
A palavra, o silêncio, a presença. Se intacto
pouco permanece,
será a velha receita do liberalismo,
laissez-faire,
que dá jogo?
Eu não sei. Só sei que manter
é mais difícil que vencer
- sozinho morreu o dono
do banco imobiliário -
Cartas de sorte ou revés
aparecem com ainda mais frequência
(cardíaca)
Mas desejo que mantenham
a chama acesa, a surpresa
o amor com respeito
o convênio médico
o fair play e a ternura.


5.9.17

"Somos esto que somos.
No abandonamos nada en el camino.
Es el camino el que acaba cuando quiere."

Miguel Gaona

4.9.17

Fantasma Q & A

Q     como você sabe que é um fantasma?
A      porque eu deslizo
Q      se parece com dormir?
A      se parece com ceifar
Q      você se sente velho ou jovem?
A      tempo e espaço estão errados
Q      você come? há comida desse lado?
A      o deslizar afeta os meus nervos
Q      e sobre o lá em cima e o lá embaixo?
A      são só vetores
Q      existe um idioma?
A      como acha que eu falo com você
Q      quer dizer uma gramática?
A      o verbo
Q      isso é uma contradição?
A      não não é
Q      só testando
A      eu já tive esse sonho antes?
Q      mas você também está acordado
A      eu me contradigo o tempo todo
Q      você vê pessoas? você pode me ver?
A       se você fechar seus olhos
Q      existem estados de espírito?
A      as extremidades estão congelando
Q      e isso é bom?
A      sim
Q      aí está muito cheio?
A      você está brincando?
Q      há outros fantasmas neste lugar?
A      a maioria dos objetos aqui são fantasmas
Q      sério
A      você já esteve em Paris?
Q      não
A      Paris é um fantasma
Q      não não é
A      você já leu Thomas Pynchon?
Q      nós estamos mudamos de assunto
A       um fantasma não tem ângulos retos
Q      como você descansa?
A      nadando
Q      quem é aquele homem?
A      ele faz os zeros
Q      você disse mesmo nadando?
A      eu vi você no mercado uma vez comprando maquiagem no meio da noite
Q      não era eu
A      foi na mesma noite do piso molhado
Q      não
A      você não pode colocar um até que tire outro
Q      um que?
A      zero
Q      seu cabelo vai seguir crescendo?
A      sim mas são maçãs

***

GHOST Q & A


Q      how do you know you’re a ghost
A      it’s the sliding
Q      is it like sleep
A      like scything
Q      do you feel old or young
A      space and time are wrong
Q     do you eat, is there food
A      the sliding affects my nerves
Q      what about up and down
A      just vectors
Q      do you have language
A      aren’t I talking to you
Q      I mean grammar
A      the verb
Q      that is a contradiction
A      no it isn’t
Q      just testing
A      have I had this dream before
Q      yet you’re also awake
A      I contradict myself all the time
Q      do you see people can you see me
A      if you close your eyes
Q      what about moods
A      the edges are freezing
Q      is that good
A      yes
Q      is it crowded
A      are you joking
Q      are there ghosts in this room
A       most of the objects here are ghosts
Q      really
A      have you been to Paris
Q      no
A      Paris is a ghost
Q      no it’s not
A      have you read Thomas Pynchon
Q      but we digress
A      a ghost has no right angles
Q      how do you relax
A       swimming
Q       who is that man
A       he does the zeroes
Q      did you say swimming
A      I saw you at Saks once buying makeup in the middle of the night
Q      wasn’t me
A      it was the night the counter flooded
Q      no
A      you can’t put one in till you take one out
Q      one what
A      zero
Q      does your hair keep growing
A      yes but it is apples

Anne Carson
Tradução: Ellen Maria

3.9.17

Ah, a frescura...

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora…
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte… Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

Álvaro de Campos

2.9.17

Diante

Dizem que todas as lembranças 
e todas as células dos nossos corpos 
couberam na cabeça de um alfinete
antes de se misturarem na luz 
quando, ao redor de nós, ferro e ouro
se fundiram pela primeira vez.
Às vezes me lembro do calor,
da parte de nós que chamejava 
na noite e penso na distância,
no vento que despenteia nosso 
pelo na pele e levará nossa matéria 
daqui. Mas ainda que seja verdade,
que de novo seremos fogo nas estrelas,
segure o que puder de mim
para nos proteger no vento
mais à frente.

Rob Packer

1.9.17

sábado depois de sexta

esconder o rosto das manhãs
e as gemas dos dedos
quando a noite se faz clara
depois virar-se no travesseiro
e dormir com o real
o viço e o riso leve,
a barganha de não levantar
quando as vassouras
já estão trabalhando.


Ellen Maria

31.8.17

"ruas
tocar a morte no mínimo
umas duas
ainda que dessas do tipo
num era pra ser
até reconhecer a saliva de cada bicho tocar
tambor numa rua vazia
acordar quem te faz dormir é preciso
dançar com aquele cego às duas
cegos num olham só pro próprio
escuta
uma umbigada de resistência
toca o tambor feito de pele de rua vazia
de ferocidade e simetria
e de cesuras e de sintomas
a linha a grade
a mão que em braile embala o arame a farpa
que pega pela mão e carrega
a estrada
de meio fio a meio fio de sono a sono
luz arrastada de calçada até portas
o som do fóton no tapete de boas chegadas
antes e depois
os meios os muros que dizer
as fachadas
também é perguntar isso é entrada ou isso é saída
a simples sustentação de falas cognatas

num tinha um poste aqui
bandeira de luz fincada ou uma catraca
demarcações
que nos vinculam"

Bruna Mitrano e Ricardo Escudeiro

28.8.17

   Ninguém

o mundo
que nem nós,
Ninguém
vai apreciar
o peso
de outra
mão
na nossa
mais
que nós.
Tyler Knott Gregson 

27.8.17

"É dito: pelo chão você não pode ficar
Porque lugar de cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar de cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo"

"reino do bichos e dos animais é o meu nome,  Stela do Patrocínio.

26.8.17

"Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh'alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.
Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa...
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.
Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.
Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens."

CDA, Tardes de maio.

25.8.17

"Não sei sentir, não sei ser humano,
Não sei conviver de dentro da alma triste, com os homens,
Meus irmãos na Terra.
Não sei ser útil, mesmo sentindo ser prático, cotidiano, nítido.
Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo.
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco, não sei qual, e eu sofri.
Eu vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos.
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente.
Mas para toda gente isso foi normal e instintivo.
Para mim sempre foi a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto demais ou de menos.
Seja como for a vida, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cotar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar pulos, de ficar no chão,
De sair para fora de todas as casas, de todas as lógicas, de todas as sacadas
E ir ser selvagem entre árvores e esquecimentos."
Álvaro de Campos

24.8.17

"[...]
Os metais, as madeiras
já se deixam malear,
de pena, dóceis. Nada
é rude tão bastante
que nunca se apiede
e se furte a viver
em nossa companhia.
Este é de resto o mal
superior a todos:
a todos como a tudo
estamos presos. E
se tentas arrancar
o espinho de teu flanco,
a dor em ti rebate
a do espinho arrancado.
Nosso amor se mutila
a cada instante. A cada
instante agonizamos
ou agoniza alguém
sob o carinho nosso.
[...]"


CDA

22.8.17

"El amor tiene necesidad de realidad. ¿Hay algo más tremendo que descubrir un día que se ama a un ser imaginario a través de una apariencia corporal? Es mucho más tremendo que la muerte, porque la muerte no impide al amado haberlo sido.
Ese es el castigo consistente en haber alimentado al amor con la imaginación".
Simone Weil

17.8.17

"La experiencia más dolorosa, la más triste y aterradora que imaginarse pueda,
es sin duda la experiencia del alcohol.
Y está al alcance de cualquier mortal.
Abre muchas puertas.
Es un verdadero camino de conocimiento, quizá el más humano, aunque peligroso en extremo.
Y tan atroz y temible se muestra, en un recorrido de espanto y de miseria,
que uno quisiera quedarse muerto allá.
Pues el retorno del otro lado de la noche es en realidad un milagro,
y únicamente los predestinados lo logran.
A tu retorno, el mundo te mira con malos ojos;
Eres un extraño, eres un intruso, y sientes en lo hondo que el mundo no quiere que lo contemples;
lo que quiere es que te vayas y desaparezcas —lo que quiere es que ya no estés aquí.
Y como al fin y al cabo el mundo eres tú,
Imagínate, tendrás que tener mucha fuerza, mucha humildad, mucho gobierno,
Para enfrentarte contigo mismo
—vale decir, con el mundo."
Jaime Saenz

16.8.17

"Y esta es cosa que no te causa el menor asombro, acostumbrado como estás a los prodigios:
en efecto, el poema se halla en tu bolsillo; y lo sacas, y lo miras y lo lees.
Y de pronto te preguntas quién habrá sido su autor,
como si no supieras que aún no ha nacido."
Jaime Saenz

15.8.17

"Tienes que aprender tu cuerpo. Y tu cuerpo, a su vez, tiene que aprender.
Poco a poco, a lo largo de interminables días y noches, comienzas a aprender.
De hecho, surge una cuestión absolutamente importante: tienes que tener humor, y tienes que tener aplomo.
Pues deberás mirar de reojo —nunca de frente. No podrías.
El que hubieras estado toda tu vida en contigüidad con la muerte no te sirve de nada, 
y solo te infunde de una falsa seguridad y te pierde,
en momentos de supremo terror, que son momentos decisivos en el aprendizaje,
cuando miras de cerca a la muerte y cuando de pronto la identificas físicamente y ves la clase de persona que es,
en momentos en que precisamente no existe defensa alguna, como no sea el humor y el aplomo."
Jaime Saenz

14.8.17

"¿Qué es la noche? —uno se pregunta hoy y siempre.
La noche, una revelación no revelada.
Acaso un muerto poderoso y tenaz,
quizás un cuerpo perdido en la propia noche.
En realidad, una hondura, un espacio inimaginable.
Una entidad tenebrosa y sutil, tal vez parecida al cuerpo que te habita,
y que sin duda oculta muchas claves de la noche."

*

"Y yo me pregunto:
¿Qué es tu cuerpo? Yo no sé si te has preguntado alguna vez qué es tu cuerpo.
Es un trance grave y difícil.
Yo me he acercado una vez a mi cuerpo;
y habiendo comprendido que jamás lo había visto, aunque lo llevaba a cuestas,
le he preguntado quién era;
y una voz, en el silencio, me ha dicho:
Yo soy el cuerpo que te habita, y estoy aquí, en las oscuridades, y te duelo, y te vivo, y te muero.
Pero no soy tu cuerpo. Yo soy la noche."
Jaime Saenz

13.8.17

Clarisse,
li outra vez seus poemas lá no site
e não me contento em não te escrever mais uma vez
dizer que te acho incrível, acho incríveis as linhas que escreve
do fundo da alma e na ponta dos dedos
acho impressionante como me toca
não me abraça porque eu fujo da melancolia
não sei diferenciar da depressão e acabo achando que qualquer tristeza
é uma pedra meio solta para o abismo
fujo sem também conseguir chegar no extremo seguro
na alegria vivida
por isso me identifico com a moça que chora escondido
que quer ficar, mas não sabe como se lida com algumas coisas
terrenas.
amanhã eu faço 31 e só queria fazer 30 outra vez
ter sua visita e dias depois partir
para uma caminhada que não acaba
semana passada tatuei a compostela e a flecha nos braços
o caminho não acaba
só não posso esquecer que ele começa todo dia também
deve ser bom ter uma frase otimista para este fim de ciclo.

12.8.17

promoção

Não dê a vista
o que precisa ser comprado a prazo.

10.8.17

oi?

El mejor truco para sobrevivir es la transparencia. 
Dilo todo y nadie sabrá nada de ti, porque nadie escucha. 

José Kozer

9.8.17

queima de arquivo

"minha avó tinha uma ilha/ nada para se vangloriar/ dava-se uma volta nela numa hora/ ainda assim era um paraíso/ um verão fizemos uma visita e descobrimos que o lugar estava infestado por ratos/ chegaram num barco de pesca e passaram a se alimentar de coco/ minha avó me ensinou como se livrar dos ratos de uma ilha/ enterramos um barril e o deixamos aberto/ depois colocamos um coco como isca/ os ratos foram em busca do coco e caíram no barril/ depois de um mês prendemos todos os ratos/ mas não jogamos o barril no oceano nem o queimamos/ deixamo-lo ali/ os ratos começaram a sentir fome/ e um a um passaram a se devorar/ até que só restaram dois/ os dois sobreviventes/ pegamos e os soltamos nas árvores/ mas agora eles não comem mais coco/ agora eles só comem ratos"


Evelyn Blaut-Fernandes

7.8.17

Carta a Otto

"Meu velho, como se torna difícil explicar as coisas quando a liberdade instala em nós seu reino de incertezas.
Agora, eu preciso distinguir cada céu, conseguir de cada um a intimidade singular, de cada vento devo arrancar o segredo, a confidência, de cada alegria é preciso que eu estabeleça os limites, organizando as paisagens que a compõem, que lembranças me vivem na alma, que tonalidade de luz me cerca, que momentos de tédio ou ansiedade precederam o prazer de colecionar conhecimentos. Agora, irmão, tudo é diferente e nada se repete. E não sei que irremediável fatalidade de conhecer, de distinguir, de aprender a tudo amar ou tudo odiar em sua fase distinta me leva para frente, sempre mais para frente até a incerta fronteira em que o pudor desmente a intimidade das coisas, obrigando as palavras a se dirigirem para os domínios da poesia.
Escute irmão: sou de índole fragmentada e dispersa. Quando não me engole a tragédia, me apaixono a todo instante: uma lembrança, um rosto, uma faixa de areia branca suavizando a visão de edifícios e quintais. A entrega, entretanto, jamais humanizou meus amores. Eu me apaixono pelas possibilidades, isto é, as nuanças, as entregas arrependidas, indecisas ou inconscientes, isso que promete negando ou nega prometendo, tudo isso me encanta e reclama.
Ora, frequentemente acontece que eu tome um ar de imparticipação e ausência. As criaturas costumam acusar em mim o frio, o impassível, o árido. Devo aceitar isso na extensão total de seus compromissos? Devo explicar que atrás do impassível eu me apodero das coisas com voluptuosidade, com paixão? E que, de certo modo, me comprometo e vou ao extremo de tudo quanto me convoca, criando para minha vida um sem-número de derrotas singulares? Olhe, irmão, o que me interessa nas coisas é o que elas poderiam ser. O que me atrai nas criaturas é a disponibilidade, essa linda e trágica espera incessante, esse constante vigiar das tentações, como se torcêssemos pela circunstância, pela pessoa, pelo demônio que viesse (que sempre parece vir) nos arrancar dos trilhos para as cambalhotas da vida. Você há de ter observado, meu velho, um rosto, um olhar disciplinado e intimidado por séculos de civilização burguesa, você há de ter notado que nesses rostos costuma brilhar de vez em quando um anseio esquisito, uma luz que é bem uma sede de pecado, de desconhecido, de desastre. Instantes em que se revela em nós o pagão – o selvagem, o homem que deseja perder a própria vida e não ganhar. Vinte séculos de cristianismo não extinguiram em nós o gosto ácido do desprendimento, o amor impensado pelas coisas do mundo: sol, frutos, fêmea subjugada sobre a relva. Bem, irmão, esses momentos são tudo pra mim.
Quando conheço uma criatura qualquer, meu caro, fico a espiá-la de meu canto, brinco de provocá-la a ver até onde vai e até onde poderia ir. A contemplação do limite em que essa criatura se pertence e deixa de se pertencer, o limiar entre a unidade e a dispersão, a crista que a separa do pecado, a linha divisória que distingo entre o domínio de si mesma e mil possibilidades de ser diferente, enfim, essa fabulosa região limítrofe é o que poderosamente me afasta de pensar em mim mesmo, me afasta de sofrer. Conversando com mulheres me obstino em saber até que ponto me pertencem, ou permanecem ou me odeiam. Quanto de entrega existe entre mim e as pessoas que me rodeiam? Que porcentagens extraio das almas que me escutam? Que espécie de vida viveríamos se ousássemos mais um pouco? Talvez essa lucidez minha seja triste. Mas, mermão, a lucidez é também paixão, e a mais irremediável que eu conheço."
Paulo Mendes Campos
(a Otto - Lara Rezende)

5.8.17

Quanto ao amor
talvez seja grave
o que vou dizer talvez
não seja
Este ano não é teu ano
Dedica-te a botar corpo
fora
da sombra sobre
teus pés
Não o perca de vista.

Ellen Maria

30.7.17

"Sei o que quero fazer da minha vida, e tudo isso é tão simples, mas era tão difícil para mim no passado. Quero dormir com muitas pessoas - quero viver e ter ódio de morrer - não vou lecionar, nem fazer o mestrado depois da graduação... Não pretendo deixar que o meu intelecto me domine e a última coisa que quero é cultuar o conhecimento ou pessoas que têm conhecimento! Não dou a mínima para o acúmulo de fatos de ninguém, exceto quando se trata de uma reflexão sobre a sensibilidade elementar, de que eu de fato preciso... Quero fazer tudo... Ter um modo de avaliar a experiência - se me causa prazer ou dor, e tenho de ser muito cuidadosa quanto a rejeitar a dor - tenho de perceber a presença do prazer em toda parte e encontrá-lo também, pois ele está em toda parte! Quero me envolver completamente... Tudo é importante! A única coisa a que renuncio é a capacidade de renunciar, de recuar: a aceitação da mesmice e do intelecto. Eu estou viva... Eu sou linda... O que mais existe?"

Susan Sontag

27.7.17

Wireless

o medo de se perder, mundo
punk, desenhando à faca na água suas dúvidas, você
conversa consigo pelo espelho oxidado em terceira
pessoa, rasurando à unha o nitrato, comendo grama
por grama o retrato que lhe vem na prata
quando rói os dedos entre os campos
minados, o medo
de se perder [“converse comigo”], nada
mais pode ser dito depois
que o chão desaparece, mundo
junkie, jungle, os hipopótamos são os únicos
que atravessam a rua sem esmagar
as flores no asfalto, linces e gazelas
não, você está
solto no espaço e nenhum céu
desaba, antes
permanece imóvel em aparência no instante
em que você escorre a esmo pelas trilhas
e deleta arquivos antigos [“converse
comigo”], menos laços, odiar
as lembranças, o medo
de se perder, mas é justo
pra onde você
vai.
Nuno Rau

24.7.17

década

"se você tem, de fato, algo a escrever
sobre o tempo, perceba que ainda uma outra
vez ele passou de vez sem que você
soubesse que a chance de dizer as poucas
coisas que parecem claras, na esperança
vaga de que tais palavras sustentadas
pelo poema possam, na sua dança,
tatuar em outro corpo a mesma marca,
está perdida: o mundo segue algum
desvio, desesperos portáteis, vãos,
gomorras sem o olhar de um deus, distopia
e corrosão do século vinte e um,
dessublimações, falsa anunciação
que lhe afunda em soul, sexo e melancolia."

Nuno Rau

17.7.17

"Porque sua camiseta secou ao sol ela tem a cor do sol
porque seus cabelos secaram ao vento seus pensamentos têm
a velocidade do vento
porque você disse “noite” sua boca 
terá o gosto do mar noturno
porque você não conheceu meu avô você me amará menos
porque não te conheci quando criança eu te amarei mais
porque você conheceu os meus livros antes de me conhecer
você nunca vai me conhecer"

ana martins marques

16.7.17

Caso lluvioso

La lluvia me irritaba. Hasta que un día
descubrí que era maría que llovía.

La lluvia era maría. Y cada pringo
de maría empapaba mi domingo.

Y mis huesos mojando, me dejaba
como tierra que la lluvia labra y lava

Yo era todo barro, sin verdura...
maría, ¡lluviosísima criatura!

Ella llovía en mí, en cada gesto,
pensamiento, deseo, sueño, y el resto.

Era lluvia finita y lluvia copiosa,
matinal y nocturna, activa…¡Qué cosa!

No me lluevas, maría, más que lo justo
llovizna de un momento, apenas susto.

No me inundes de tu líquido plasma,
¡No seas tan acuático fantasma!

Yo le decía en vano -ya que maría
cuanto más yo rogaba, más llovía.

Y chaparreando atroz en mi camino.
lo dejaba bañado en triste vino.

que no calienta pues el agua de lluvia
mosto es de ceniza, no de buena uva.

¡Lluviadera maría, lluviadona,
lluvinienta, lluvil, pluvimiedona!

Yo le gritaba:¡Pará! Y ella seguía lloviendo,
Charcos de agua helada iba tejiendo.

Y hubo tanta maría en mi casa
que la correntada creó alas

y un río se formó, o mar, no sé,
Sé apenas que en él me anegué.

Y cuanto más las olas me llevaban,
las fuentes de maría más lluviaban,

de suerte que con poco, y sin recurso,
las cosas prosiguieron su curso,

y aquí es el mundo mojado y sumido
bajo aquel siniestro y oscuro llovido.

Los seres más extraños juntándose
en la misma acuosa pasta quejándose

contra esa lluvia estúpida y mortal
catarata (jamás hubo otra igual).

Cantos anti-ad petendam se oyeran.
¡Nada! Las cuerdas de agua más enloquecieran,

y maría, canilla desatada,
más deja salir la correntada.

Los navíos sozobran. Los continentes
sucumben con todos los vivientes,

y maría lloviendo. Fue que a esa altura,
diluida y fluida la humana estructura,

y la tierra no sufriendo tal lluviencia,
se conmovió la Divina Providencia,

y Dios, piadoso y enérgico, bramó:
¡No llueva más, maría! - y ella paró.

Carlos Drummond de Andrade 
Traducción: Silvina Elena Guala y Carles Tàvec

15.7.17

tpm

você, que me faz deletar postagens novas apenas postadas
postagens velhas que possam me lembrar o quanto são velhas
mensagens sem que eu fosse realmente destinatária
ou às vezes correntes em que eu era incoerentemente incluída
você, que me faz excluir fotos de toda e qualquer rede social
você, que me faz destruir recordações por não deixar restar nenhuma carta
você, que me faz odiar-me por tantas noites
você, que também te odeia
eu também te odeio
eu também te odeio

13.7.17

segunda vez

En el acto ingenuo
de tropezar dos veces
con la misma piedra
algunos perciben
tozudez
Yo me limito a comprobar
la persistencia de las piedras
el hecho insólito
de que permanezcan en el mismo lugar
después de haber herido a alguien.
Cristina Peri Rossi

12.7.17

poema idiota 162

la vida
es una mezcla
de nimiedades
chocolate y muerte


Ismael Velazquez Juarez

11.7.17

Quando um ex-amor se casa

Parece bobagem, mas quando um ex-amor se casa, com outra pessoa, meu olho enche d'água.
Não de ciúme, inveja ou desafeto. Mas porque me transborda um impedimento já não mais disposto a suportar grades. Ou bolsas impermeáveis. A boda, como se sabe, é a celebração do amor, uma festa. E quando um ex-amor se casa, em alguma parte, eu me sinto casando também. Faz-se presente à face um pouco de dentro. O terno, o laço, o nó da gravata, a aliança. E incapacitada de poder abraçá-lo, felicitá-lo, e desejar que seja imortal, posto que é chama, a lágrima fornece o sal eterno, o sal sagrado, meu presente de casamento. O matrimônio, como se fia, é um tanto difícil de mantê-lo. Mas se fica um amor de ontem na lembrança, finca mais ainda o amor celebrado hoje. E escorre para todos os lados.

10.7.17

libro de horas

Desde la ventana observo la plaza: a los plátanos
les quedan cuatro hojas exhaustas que no
se deciden a emprender el último vuelo. Cuatro
son también los días que cuelgan del calendario,
a punto para caer cuando nadie mire. Todo
acaba desprendiéndose y volviendo a tierra
con la fría ventada de la estación
desfavorable. El proceso es lento, casi
imperceptible. Hay que estarse noches enteras
acostumbrando la mirada a la quietud
antes de advertir cómo la vida pierde los pétalos,
pierde los días, pierde el oxígeno, pierde las aves,
pierde los cuerpos y pierde las respuestas. También los muertos
celebran la Navidad, sentados alrededor
de los juguetes. Tras la ventana pienso
en ellos, que es una manera de pensar en mí.
Y la vida pierde las hojas, indiferente
a todo, como un inmenso árbol caducifolio.
Gemma Gorga

9.7.17

escarcha

Es justo allí
a mitad de camino entre
el huerto desnudo
y el huerto verde,
cuando las ramas están a punto
de estallar en flor,
en rosa y blanco,
que tememos lo peor.
Pues no hay región
que a cualquier precio
no elija ese tiempo
para una noche de escarcha.
Robert Frost