31.8.17

"ruas
tocar a morte no mínimo
umas duas
ainda que dessas do tipo
num era pra ser
até reconhecer a saliva de cada bicho tocar
tambor numa rua vazia
acordar quem te faz dormir é preciso
dançar com aquele cego às duas
cegos num olham só pro próprio
escuta
uma umbigada de resistência
toca o tambor feito de pele de rua vazia
de ferocidade e simetria
e de cesuras e de sintomas
a linha a grade
a mão que em braile embala o arame a farpa
que pega pela mão e carrega
a estrada
de meio fio a meio fio de sono a sono
luz arrastada de calçada até portas
o som do fóton no tapete de boas chegadas
antes e depois
os meios os muros que dizer
as fachadas
também é perguntar isso é entrada ou isso é saída
a simples sustentação de falas cognatas

num tinha um poste aqui
bandeira de luz fincada ou uma catraca
demarcações
que nos vinculam"

Bruna Mitrano e Ricardo Escudeiro

28.8.17

   Ninguém

o mundo
que nem nós,
Ninguém
vai apreciar
o peso
de outra
mão
na nossa
mais
que nós.
Tyler Knott Gregson 

27.8.17

"É dito: pelo chão você não pode ficar
Porque lugar de cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar de cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo"

"reino do bichos e dos animais é o meu nome,  Stela do Patrocínio.

26.8.17

"Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh'alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.
Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa...
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.
Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.
Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens."

CDA, Tardes de maio.

25.8.17

"Não sei sentir, não sei ser humano,
Não sei conviver de dentro da alma triste, com os homens,
Meus irmãos na Terra.
Não sei ser útil, mesmo sentindo ser prático, cotidiano, nítido.
Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo.
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco, não sei qual, e eu sofri.
Eu vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos.
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente.
Mas para toda gente isso foi normal e instintivo.
Para mim sempre foi a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto demais ou de menos.
Seja como for a vida, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cotar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar pulos, de ficar no chão,
De sair para fora de todas as casas, de todas as lógicas, de todas as sacadas
E ir ser selvagem entre árvores e esquecimentos."
Álvaro de Campos

24.8.17

"[...]
Os metais, as madeiras
já se deixam malear,
de pena, dóceis. Nada
é rude tão bastante
que nunca se apiede
e se furte a viver
em nossa companhia.
Este é de resto o mal
superior a todos:
a todos como a tudo
estamos presos. E
se tentas arrancar
o espinho de teu flanco,
a dor em ti rebate
a do espinho arrancado.
Nosso amor se mutila
a cada instante. A cada
instante agonizamos
ou agoniza alguém
sob o carinho nosso.
[...]"


CDA

22.8.17

"El amor tiene necesidad de realidad. ¿Hay algo más tremendo que descubrir un día que se ama a un ser imaginario a través de una apariencia corporal? Es mucho más tremendo que la muerte, porque la muerte no impide al amado haberlo sido.
Ese es el castigo consistente en haber alimentado al amor con la imaginación".
Simone Weil

17.8.17

"La experiencia más dolorosa, la más triste y aterradora que imaginarse pueda,
es sin duda la experiencia del alcohol.
Y está al alcance de cualquier mortal.
Abre muchas puertas.
Es un verdadero camino de conocimiento, quizá el más humano, aunque peligroso en extremo.
Y tan atroz y temible se muestra, en un recorrido de espanto y de miseria,
que uno quisiera quedarse muerto allá.
Pues el retorno del otro lado de la noche es en realidad un milagro,
y únicamente los predestinados lo logran.
A tu retorno, el mundo te mira con malos ojos;
Eres un extraño, eres un intruso, y sientes en lo hondo que el mundo no quiere que lo contemples;
lo que quiere es que te vayas y desaparezcas —lo que quiere es que ya no estés aquí.
Y como al fin y al cabo el mundo eres tú,
Imagínate, tendrás que tener mucha fuerza, mucha humildad, mucho gobierno,
Para enfrentarte contigo mismo
—vale decir, con el mundo."
Jaime Saenz

16.8.17

"Y esta es cosa que no te causa el menor asombro, acostumbrado como estás a los prodigios:
en efecto, el poema se halla en tu bolsillo; y lo sacas, y lo miras y lo lees.
Y de pronto te preguntas quién habrá sido su autor,
como si no supieras que aún no ha nacido."
Jaime Saenz

15.8.17

"Tienes que aprender tu cuerpo. Y tu cuerpo, a su vez, tiene que aprender.
Poco a poco, a lo largo de interminables días y noches, comienzas a aprender.
De hecho, surge una cuestión absolutamente importante: tienes que tener humor, y tienes que tener aplomo.
Pues deberás mirar de reojo —nunca de frente. No podrías.
El que hubieras estado toda tu vida en contigüidad con la muerte no te sirve de nada, 
y solo te infunde de una falsa seguridad y te pierde,
en momentos de supremo terror, que son momentos decisivos en el aprendizaje,
cuando miras de cerca a la muerte y cuando de pronto la identificas físicamente y ves la clase de persona que es,
en momentos en que precisamente no existe defensa alguna, como no sea el humor y el aplomo."
Jaime Saenz

14.8.17

"¿Qué es la noche? —uno se pregunta hoy y siempre.
La noche, una revelación no revelada.
Acaso un muerto poderoso y tenaz,
quizás un cuerpo perdido en la propia noche.
En realidad, una hondura, un espacio inimaginable.
Una entidad tenebrosa y sutil, tal vez parecida al cuerpo que te habita,
y que sin duda oculta muchas claves de la noche."

*

"Y yo me pregunto:
¿Qué es tu cuerpo? Yo no sé si te has preguntado alguna vez qué es tu cuerpo.
Es un trance grave y difícil.
Yo me he acercado una vez a mi cuerpo;
y habiendo comprendido que jamás lo había visto, aunque lo llevaba a cuestas,
le he preguntado quién era;
y una voz, en el silencio, me ha dicho:
Yo soy el cuerpo que te habita, y estoy aquí, en las oscuridades, y te duelo, y te vivo, y te muero.
Pero no soy tu cuerpo. Yo soy la noche."
Jaime Saenz

13.8.17

Clarisse,
li outra vez seus poemas lá no site
e não me contento em não te escrever mais uma vez
dizer que te acho incrível, acho incríveis as linhas que escreve
do fundo da alma e na ponta dos dedos
acho impressionante como me toca
não me abraça porque eu fujo da melancolia
não sei diferenciar da depressão e acabo achando que qualquer tristeza
é uma pedra meio solta para o abismo
fujo sem também conseguir chegar no extremo seguro
na alegria vivida
por isso me identifico com a moça que chora escondido
que quer ficar, mas não sabe como se lida com algumas coisas
terrenas.
amanhã eu faço 31 e só queria fazer 30 outra vez
ter sua visita e dias depois partir
para uma caminhada que não acaba
semana passada tatuei a compostela e a flecha nos braços
o caminho não acaba
só não posso esquecer que ele começa todo dia também
deve ser bom ter uma frase otimista para este fim de ciclo.

12.8.17

promoção

Não dê a vista
o que precisa ser comprado a prazo.

10.8.17

oi?

El mejor truco para sobrevivir es la transparencia. 
Dilo todo y nadie sabrá nada de ti, porque nadie escucha. 

José Kozer

9.8.17

queima de arquivo

"minha avó tinha uma ilha/ nada para se vangloriar/ dava-se uma volta nela numa hora/ ainda assim era um paraíso/ um verão fizemos uma visita e descobrimos que o lugar estava infestado por ratos/ chegaram num barco de pesca e passaram a se alimentar de coco/ minha avó me ensinou como se livrar dos ratos de uma ilha/ enterramos um barril e o deixamos aberto/ depois colocamos um coco como isca/ os ratos foram em busca do coco e caíram no barril/ depois de um mês prendemos todos os ratos/ mas não jogamos o barril no oceano nem o queimamos/ deixamo-lo ali/ os ratos começaram a sentir fome/ e um a um passaram a se devorar/ até que só restaram dois/ os dois sobreviventes/ pegamos e os soltamos nas árvores/ mas agora eles não comem mais coco/ agora eles só comem ratos"


Evelyn Blaut-Fernandes

7.8.17

Carta a Otto

"Meu velho, como se torna difícil explicar as coisas quando a liberdade instala em nós seu reino de incertezas.
Agora, eu preciso distinguir cada céu, conseguir de cada um a intimidade singular, de cada vento devo arrancar o segredo, a confidência, de cada alegria é preciso que eu estabeleça os limites, organizando as paisagens que a compõem, que lembranças me vivem na alma, que tonalidade de luz me cerca, que momentos de tédio ou ansiedade precederam o prazer de colecionar conhecimentos. Agora, irmão, tudo é diferente e nada se repete. E não sei que irremediável fatalidade de conhecer, de distinguir, de aprender a tudo amar ou tudo odiar em sua fase distinta me leva para frente, sempre mais para frente até a incerta fronteira em que o pudor desmente a intimidade das coisas, obrigando as palavras a se dirigirem para os domínios da poesia.
Escute irmão: sou de índole fragmentada e dispersa. Quando não me engole a tragédia, me apaixono a todo instante: uma lembrança, um rosto, uma faixa de areia branca suavizando a visão de edifícios e quintais. A entrega, entretanto, jamais humanizou meus amores. Eu me apaixono pelas possibilidades, isto é, as nuanças, as entregas arrependidas, indecisas ou inconscientes, isso que promete negando ou nega prometendo, tudo isso me encanta e reclama.
Ora, frequentemente acontece que eu tome um ar de imparticipação e ausência. As criaturas costumam acusar em mim o frio, o impassível, o árido. Devo aceitar isso na extensão total de seus compromissos? Devo explicar que atrás do impassível eu me apodero das coisas com voluptuosidade, com paixão? E que, de certo modo, me comprometo e vou ao extremo de tudo quanto me convoca, criando para minha vida um sem-número de derrotas singulares? Olhe, irmão, o que me interessa nas coisas é o que elas poderiam ser. O que me atrai nas criaturas é a disponibilidade, essa linda e trágica espera incessante, esse constante vigiar das tentações, como se torcêssemos pela circunstância, pela pessoa, pelo demônio que viesse (que sempre parece vir) nos arrancar dos trilhos para as cambalhotas da vida. Você há de ter observado, meu velho, um rosto, um olhar disciplinado e intimidado por séculos de civilização burguesa, você há de ter notado que nesses rostos costuma brilhar de vez em quando um anseio esquisito, uma luz que é bem uma sede de pecado, de desconhecido, de desastre. Instantes em que se revela em nós o pagão – o selvagem, o homem que deseja perder a própria vida e não ganhar. Vinte séculos de cristianismo não extinguiram em nós o gosto ácido do desprendimento, o amor impensado pelas coisas do mundo: sol, frutos, fêmea subjugada sobre a relva. Bem, irmão, esses momentos são tudo pra mim.
Quando conheço uma criatura qualquer, meu caro, fico a espiá-la de meu canto, brinco de provocá-la a ver até onde vai e até onde poderia ir. A contemplação do limite em que essa criatura se pertence e deixa de se pertencer, o limiar entre a unidade e a dispersão, a crista que a separa do pecado, a linha divisória que distingo entre o domínio de si mesma e mil possibilidades de ser diferente, enfim, essa fabulosa região limítrofe é o que poderosamente me afasta de pensar em mim mesmo, me afasta de sofrer. Conversando com mulheres me obstino em saber até que ponto me pertencem, ou permanecem ou me odeiam. Quanto de entrega existe entre mim e as pessoas que me rodeiam? Que porcentagens extraio das almas que me escutam? Que espécie de vida viveríamos se ousássemos mais um pouco? Talvez essa lucidez minha seja triste. Mas, mermão, a lucidez é também paixão, e a mais irremediável que eu conheço."
Paulo Mendes Campos
(a Otto - Lara Rezende)

5.8.17

Quanto ao amor
talvez seja grave
o que vou dizer talvez
não seja
Este ano não é teu ano
Dedica-te a botar corpo
fora
da sombra sobre
teus pés
Não o perca de vista.

Ellen Maria