27.5.16

desconcertos

talvez soubesse que havia perdido a minha vez, a minha senha, hipnotizada pelo monitor. falava alguma coisa sobre tentativa de homicídio, uma apresentadora de tv falando de outra apresentadora de tv. tv só fala de si mesmo e tudo cabe dentro dela. um hotel de luxo, um homem morreu, e eu esperando as cópias autenticadas, minha senha com três dígitos no monitor. pensei naquela vez que te levei até o aeroporto e seus olhos brilhavam diante de um café. não foi o último que tomamos juntos, mas foi o mais dolorido. e o mais bonito também. pensei naquela vez que você me buscou no aeroporto com meu pai e eu fiquei com cara de merda, agora vou ter que ficar com você, e eu mal sabia o que é mesmo que eu queria, tinha beijado outro cara na noite passada. pensei também em outra despedida, todo mundo saiu do quarto e a gente ficou lá sozinho querendo se beijar, mas com vergonha, e daí não deu outra: a gente se levantou e foi embora. com raiva deles, com raiva da gente. uma semana depois, a gente ficou e estragou o imprevisível. pensei também naqueles dez segundos antes de eu passar por outra porta de aeroporto, você me levou até lá com o carro da outra, e eu toda contente com o amor eterno até carimbar o passaporte e me sentir aliviada que estava voltando pra casa. pensei também no cachorro quente do posto de gasolina que você comeu e vomitou quando eu terminei o namoro que, na verdade, já tinha terminado na porta do cemitério. espera, que tem mais. pensei também no dia que você me deixou na porta da casa do meu pai e disse que ia me ligar no dia seguinte, mas eu sabia que não ia. você vai se casar com outra, e tá tudo bem, eu não quero me casar com você. só sentimos falta um do outro. o moço do meu lado me avisou que era meu número que estavam chamando. as cópias já estavam prontas. ainda deu tempo de pensar em mim mesma de olhos fechados e cabeça no vidro do ônibus, indo embora da sua casa para o terminal de trem, pela última vez. tem tantas mortes na tv e também numa vida só.


Ellen Maria

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