5.4.13

A dor e a alegria da chave nova.

             Na lista das coisas que mais gosto de fazer de vez em quando é procurar apartamento. É bem difícil fazer com que a agenda da corretora de imóveis se encaixe com o seu, fazer com que o porteiro do prédio abra a porta ou que o dono do apartamento esteja disponível para liberar a chave. Ainda tem aqueles que só permitem que faça visitação em horário comercial, hora aquela que você também está trabalhando, mas tudo bem, quando o contrato de um aluguel está por vencer, a gente dá um jeitinho de fugir mais cedo, entrar mais tarde e vai procurar apartamento. Eu, você, a gente... muita gente já passou por isso nessa vida.
             O legal de procurar um apartamento pra morar está desde a compra do jornal, a compra da caneta vermelha para circular aquele classificado que te interessa, manter o telefone do lado, fazer ligações, perguntar preços, formas de pagamento, quantos cômodos, se tem garagem, quanto está o condomínio, se o local é iluminado à noite, se está vazio ou mobiliado, etc., etc.
              Aí você vai ver o apartamento. Ver se tem luz, se tem gás encanado, se tem chuveiro, armário embutido, pia, torneira, quantas tomadas, ventilador de teto, infiltração, chaves nos quartos, nos banheiros, varal na área de serviço, se está pintado, cheirando mal, se a descarga funciona, se tem proteção nas janelas, trilho pra cortina, marcas de prego, rodapé, carpete, taco de madeira ou piso frio na sala, buraco para ar condicionado, box no banheiro, lâmpadas queimadas.
              Que nem filme: o corretor vai dizendo as qualidades e as peculiaridades do apartamento e do prédio e você vai escutando, fazendo que sim com a cabeça. Depois, a voz vai sumindo, ficando em segundo plano, enquanto sua cabeça deixa de acenar e começa a pensar, a desenhar maquetes de arquiteto e planos originais de decorador. Aqui vai aquele quadro que ganhei de Natal, ali entra a mesa de jantar, aqui fica bom o guarda-roupa, ali entra a máquina de lavar. Enquanto o corretor fala que este apartamento vai sair rapidinho, porque aquela zona é bem procurada e o apartamento está bem localizado, você vai pensando onde ficaria o sofá, a cama, se vai poder comprar aquele sofá-cama pra hóspedes, se vai ter hóspedes, se vai finalmente tirar a TV da sala para ligá-la menos, ou se cabe um tapete, que você nunca teve, mas sempre quis ter.
             Vai pensando em móveis novos, sabendo que não vai dar pra comprar nos três primeiros meses, por causa do seguro fiança. Vai pensando em contas. Vai pensando nas reuniões com amigos, que você nunca tem tempo de vê-los. Vai pensando se poderia pintar uma parede de azul ou verde, ou ao menos fazer uma textura. Se colocar o micro-ondas num suporte ou em cima do armário. Se melhor luz amarela ou fria.
              É preciso dar a resposta em cinco dias úteis. Se não, tenho que deixá-lo ir, que encontre seu dono. Mas essa sala ficaria boa com meus velhos móveis, poderiam estar de uma forma “x” e quando eu quisesse fazer limpeza em casa e mudar tudo de lugar, ainda tem a forma “y” e “z” que ficariam boas. Quais mesmo as vantagens e as desvantagens deste apartamento? É débito em conta, boleto ou tenho que ir todo mês à imobiliária? Fiador ou seguro fiança?
              É preciso ver outros apartamentos. Em prédios de três andares sem elevador, em prédios de dezoito andares com piscina, prédios de nove andares com sala de jogos e playground, prédios de cinco andares com garagem privativa, prédios de treze andares com coleta seletiva de lixo, prédios em subidas, descidas, avenidas, esquinas, ruas desertas, ruas que enchem, prédios do lado de uma escola, de uma academia, encima de um bar, de um cabeleireiro, longe do meu trabalho e mais ou menos dez minutos caminhando.
             Enfim, contrato assinado. Definitivamente, procurar E encontrar um apartamento estão na lista das coisas que mais gosto de fazer. Chave na mão. E a sensação maravilhosa de entrar em seu novo apartamento. Vê-lo vazio te esperando ansioso para novas histórias. Serei feliz ali? Chorarei muito? Cozinharei para quantos amigos? O que será que as paredes poderão contar depois de mais um contrato de trinta meses? E o que será que as paredes me contarão dos antigos moradores? Haverá fantasmas presos ali? Será que foram felizes? Fecho a porta feliz.
            Daí, chego a minha antiga casa, aquela que o contrato está finalizando, onde tenho que me despedir em uma ou duas semanas e me lembro: agora vem uma das coisas que menos gosto de fazer: empacotar tudo para fazer a mudança.

Ellen Maria

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