14.11.13

Querer ter

"O ponto chave que não é outra coisa que a rica abundância da particularidade do mundo interior, se é que algo assim existe e não esses quartos fartos de palavras, de falsos espasmos e prazeres verdadeiros, mas não menos efêmeros e cabelos, muitos e compridos cabelos castanhos grudados aos lençóis junto com o cheiro, o meu cheiro – isso dizem – que eu mesma desconheço. Isso, a umidade e a música e a estúpida pugna pela janela seja aberta ou fechada. E eu faço essas coisas, ver e fazer que não vi, esperando que a situação se resolva sozinha e assim uns minutos até, ao ver que nada aconteceu, me forçar a intervir e aparecer. Agir é executar e trepar é morrer, dizer trepar é uma forma de distanciar e distanciar é minimizar, minimizar é se preservar e se preservar é querer morrer um pouco menos. Agir é matar e trepar é morrer, quando a consciência da carne, da materialidade, da fetidez, é tão evidente. A proximidade, a evidência da carne, a contundência da carne que – ainda assim – pode voar em mil pedaços, se desvanecer ou se envenenar ou se despencar ou se projetar e cair sobre as pedras e sangrar até morrer. Como o monge. Sinto suas mãos sobre meu corpo quente semidesnudo, como pinças que aprisionam todos e cada um de meus membros, me prensa, suas garras me prensam e só penso em me safar das toneladas que sua demanda deposita em minha nuca, justo aí, nesse lugar, o mais vulnerável de todos: só de eu tentar me incorporar me desnucaria, minha cabeça ficaria prensada sobre o asfalto sob o peso o peso do desejo, do teu desejo egoísta de possuir, de querer ter e não só tocar, mas também engolir, engoli-lo tudo faminto guloso, não queira lamber nem uma mínima porção de minha miserável figura, não ouse desejar ser dono de nem uma gota de meu suor ou de meus gemidos nem sequer está permitido imaginar querer ter querer ter haben wollen haben wollen haben wollen, não será demais? Tanta gula não pode levar a outra coisa senão ao fastio e no melhor dos casos, ao vômito. Achei que você sabia que eu sim valorizo as palavras, não só as coleciono mas também as recordo e as coleciono, as coleciono e as cuido, cuido delas e por isso te peço que em ocasiões futuras recorra a elas com mais cuidado, com muitíssima segurança, porque se não pesam, pesam sobre as nucas quais quilos de ansiedade, ansiedade e atropelo e um carinho tão mas tão atropelado".
(Querer tener, do livro Vos me querés a mí? - Romina Paula - tradução Ellen Maria)

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