"O ponto chave que não é outra coisa que a rica
abundância da particularidade do mundo interior, se é que algo assim existe e
não esses quartos fartos de palavras, de falsos espasmos e prazeres
verdadeiros, mas não menos efêmeros e cabelos, muitos e compridos cabelos
castanhos grudados aos lençóis junto com o cheiro, o meu cheiro – isso dizem –
que eu mesma desconheço. Isso, a umidade e a música e a estúpida pugna pela
janela seja aberta ou fechada. E eu faço essas coisas, ver e fazer que não vi,
esperando que a situação se resolva sozinha e assim uns minutos até, ao ver que
nada aconteceu, me forçar a intervir e aparecer. Agir é executar e trepar é
morrer, dizer trepar é uma forma de distanciar e distanciar é minimizar,
minimizar é se preservar e se preservar é querer morrer um pouco menos. Agir é
matar e trepar é morrer, quando a consciência da carne, da materialidade, da
fetidez, é tão evidente. A proximidade, a evidência da carne, a contundência da
carne que – ainda assim – pode voar em mil pedaços, se desvanecer ou se
envenenar ou se despencar ou se projetar e cair sobre as pedras e sangrar até
morrer. Como o monge. Sinto suas mãos sobre meu corpo quente semidesnudo, como
pinças que aprisionam todos e cada um de meus membros, me prensa, suas garras
me prensam e só penso em me safar das toneladas que sua demanda deposita em
minha nuca, justo aí, nesse lugar, o mais vulnerável de todos: só de eu tentar
me incorporar me desnucaria, minha cabeça ficaria prensada sobre o asfalto sob
o peso o peso do desejo, do teu desejo egoísta de possuir, de querer ter e não
só tocar, mas também engolir, engoli-lo tudo faminto guloso, não queira lamber
nem uma mínima porção de minha miserável figura, não ouse desejar ser dono de
nem uma gota de meu suor ou de meus gemidos nem sequer está permitido imaginar
querer ter querer ter haben wollen haben
wollen haben wollen, não será demais? Tanta gula não pode levar a outra
coisa senão ao fastio e no melhor dos casos, ao vômito. Achei que você sabia
que eu sim valorizo as palavras, não só as coleciono mas também as recordo e as
coleciono, as coleciono e as cuido, cuido delas e por isso te peço que em
ocasiões futuras recorra a elas com mais cuidado, com muitíssima segurança,
porque se não pesam, pesam sobre as nucas quais quilos de ansiedade, ansiedade
e atropelo e um carinho tão mas tão atropelado".
(Querer tener, do livro Vos me querés a mí? - Romina Paula - tradução Ellen Maria)
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