31.3.16

Diário de viagens

alargam-se os meses
rios que secam
e as pessoas encostadas
é falta de nuvem                      
                          pensam
mas uma bruta chuva do outro lado me confessa
aqui também finco
na preguiça
não excederá pão enquanto transbordar fome.


Ellen Maria

30.3.16

O estado das coisas

revi aquele filme
do wim wenders
onde a filmagem para no meio
do filme
porque acaba a renda
lado a lado com aquele
que outro dia me perguntou
vamos encomendar um filho
olhei assustada
sem renda para ir ao cinema
baixei da internet
o filme
e do filho
escrevi o roteiro
a filmagem para
antes mesmo de começar
não nasce um mito
hoje
nem outro diabo.


Ellen Maria

29.3.16

Caderninho preto

tv que vejo
e do lado de dentro
quem me vê?


Ellen Maria

28.3.16

ele

descansa os lábios
por um instante

pensa

a vida encerra peças
debaixo do taco

parece

não há quebra-cabeça
suficiente para dar conta
do espaço reservado

não desiste
quieto
até que encontra

cela estes lábios
por um instante.


Ellen Maria

27.3.16

jornada adicional

Guardar todos os sonhos úmidos
das tristezas extraordinárias
restar só suores noturnos
das turbulências imaginadas
resguardar certos perigos
das luas cheias
sustentar a cabeça e às vezes
esvaziá-la
sem direito a férias
o labor de oito horas
é compensado com um ou outro
banho de sol
e em algumas manhãs
perfumado e maciota
o travesseiro descansa.


Ellen Maria

26.3.16

over the sea

"El límite para la poesía depende de la dimensión de tu universo."

Maurizio Medo

25.3.16

A idade

De repente a gente envelhece
o cabelo afina
e cai
as orelhas prestam atenção
e caem
a pele arde
e cai
amor e tristeza ao redor dos olhos
óculos escuros
não são vaidade da idade
a discussão afina
e cai
as lágrimas prestam atenção
e caem
o peito arde
amor e tristeza dentro dos olhos
a voz fica pouca
a vontade de libertá-la
vira vontade
de calar
e cair
mais vezes
a gente prioriza outras coisas
ao envelhecer.


Ellen Maria

24.3.16

escritos geográficos

"O que há
entre as mulheres
e as janelas?"

Paloma Vidal

23.3.16

Llorar a lágrima viva

"Llorar a chorros.
Llorar la digestión.
Llorar el sueño.
Llorar antes las puertas y los puertos.
llorar de amabilidad y de amarillo.
Abrir las canillas,
las compuertas del llanto.
Empaparnos el alma,
la camiseta.
Inundar las veredas y los paseos,
y salvarnos, a nado, de nuestro llanto.
Asistir a los cursos de antropología,
llorando.
Festejar los cumpleaños familiares,
llorando.
Llorar como un cacuy,
como un cocodrilo...
si es verdad
que los cacuyes y los cocodrilos
no dejan nunca de llorar.

Llorarlo todo,
pero llorarlo bien.
Llorarlo con la nariz,
con las rodillas.
Llorarlo por el ombligo,
por la boca.
Llorar de amor,
de hastío,
de alegría.
Llorar de frac,
de flato, de flacuta.
llorar improvisando,
de memoria.
Llorar todo el insomnio y todo el día!"

Oliverio Girondo

22.3.16

si se ha...

"Si se ha de escribir correctamente poesía
no basta con sentirse desfallecer en el jardín
bajo el peso concertado del alma o lo que fuere
y del célebre crepúsculo o lo que fuere.
El corazón es pobre de vocabulario.
Su laberinto: un juego para atrasados mentales
en que da risa verlo moverse como un buey
un lector integral de novelas por entrega.
Desde el momento en que coge el violín
ni siquiera el Vals Triste de Sibelius
permanece en la sala que se llena de tanto.
Salvo las honrosas excepciones las poetisas uruguayas
todavía confunden la poesía con el baile
en una mórbida quinta de recreo,
o la confunden con el sexo o la confunden con la muerte.
Si se ha de escribir correctamente poesía
en cualquier caso hay que tomarlo con calma.
Lo primero de todo: sentarse y madurar.
El odio prematuro a la literatura
puede ser de utilidad para no pasar en el ejército
por maricón, pero el mismo Rimbaud
que probó que la odiaba fue un ratón de biblioteca,
y esa náusea gloriosa le vino de roerla.
Se juega ajedrez
con las palabras hasta para aullar.
Equilibrio inestable de la tinta y la sangre
que debes mantener de un verso a otro
so pena de romperte los papeles del alma.
Muerte, locura y sueño son otras tantas piezas
de marfil y de cuerno o lo que fuere;
lo importante es moverlas en el jardín a cuadros
de manera que el peón que baila con la reina
no le perdone el menor paso en falso.
Quienes insisten en llamar a las cosas por sus nombres
como si fueran claras y sencillas
las llenan simplesmente de nuevos ornamentos.
No las expresan, giran en torno al diccionario,
inutilizan más y más el lenguaje,
las llaman por sus nombres y ellas responden por sus
nombres
pero se nos  desnudan en los parajes oscuros.
Discursos, oraciones, juegos de sobremesa,
todas estas cositas por las que vamos tirando.
Si se ha de escribir correctamente poesía
no estaría de más bajar un poco el tono
sin adoptar por ello un silencio monolítico
ni decidirse por la murmuración.
Es un pez o algo así lo que esperamos pescar,
algo de vida, rápido, que se confunde con la sombra
y no la sombra misma ni el Leviatán entero.
Es algo que merezca recordarse
por alguma razón parecida a la nada
pero que no es la nada ni el Leviatán entero,
ni exactamente un zapato ni una dentadura postiza."

Enrique Lihn

21.3.16

ilhas

Um sorriso cheio de dentes
de maresia
umas bochechas que quer morder
pão de cará
e uns olhinhos pequenininhos
brigadeiro da Itanhaém
na Rochinha tem também
e uns cabelos grisalhos
piscina que se vê o fundo
e mergulha
primeiro a mão
pra ver se descobre
se dá pé
um sonrisal escorrega na beira
e a gente se esburracha
na frente do azul
o aquário te dou a outra mão
pra levantar e me despedir
atravesso a balsa
sem voltar
estarei do lado
de lá
(de binóculo).



Ellen Maria

20.3.16

Teu nome

"aonde anda a onda
a onda ainda
ainda a onda"
Bandeira

Todo nome tem seu demônio
seu arcanjo
um trono sem dono
Ninguém doma um nome
que sono
que sonho
nomear a onda que chega
um nome para cada onda
A história finita de cada
onda
espuma
homem

não há nome
que permaneça.


Ponho um nome para cada onda
que atravesso
que me atravessa

Depois ando
um pouco
e esqueço

e a onda esquece.


Ellen Maria

19.3.16

desglutição

"que é que é isso
ora em crescendo ora em diminuendo entre a abóbada
palatina e o tapete vermelho
que é que é
isso que nos instantes que nomeiam
alegria
por ela devemos servir
mas é de bom grado no tempo que dominam
as nomenclaturas de tristeza
perguntarmos antes de encher o pote

oh bom senhor
quanto disto deseja

não sei
qual o gosto disso

uma mesma via
de lamber o gosto
de dizer o gosto
materna ou segunda ou

pode ser
carne ou não

mas e lacuna vazia

pode ser também até bifurcada tem
ou uma insônia
tipo um dormir ao contrário
e tem quem fala dormindo

ou traduções

a hora errada no seu relógio de pulso
é a certa de outro braço
em outro lugar de mundo ou pedaço de
adiantamento ou atraso é uma outra
que inventamos para dizer

mapa

me encontra na latitude tal
longitude essa
coordenada é uma outra que inventamos
para dizer

casa

as linhas que seguram e as que traçam
palavra
não são a dita ela mesma
mas dizer isso é já uma outra
falar

que dó

em áfrica ou qualquer outra embaixada
não trava paz entre as minas terrestres
e as pernas amputadas
diplomacia é uma outra que inventamos
para dizer

deserto

fazer o bem sem olhar a quem
mas com data local platéia e parafernália
abutres alimentando pombos
cobrar os créditos é uma outra que inventamos
para dizer

caridade

que pode ou não ser sazonal
que pode ou não ser teoria do benefício

uma lista de expressões estereotipadas
tem a
maior que a boca
mas é uma
ferina
deu com a
nos dentes
é uma outra que inventamos
para dizer

dicotomia
e ou parâmetro do humano
não saber guardar
segredo que todo mundo já sabe

a bola é minha joga quem eu quiser

é uma outra que inventamos
para dizer

lirismo

na foto de nove soterrados contar dez
no texto pensar

será que erramos aqui

é uma outra que inventamos
para dizer

empatia

encostar sem tocar na caixa
perceber a acústica torácica e seu altifalante
indefinidas polegadas
é mais outra que inventamos
para dizer

auscultar

interface de descoisar
aquilo que vai aí e cá dentro
que é que é isso
langue parole ou burburinho

uma língua

é uma língua e
outra coisa é outra cousa."

Ricardo Escudeiro

18.3.16

Sereníssima

Sento e aguardo. Não posso respirar fundo. Me dá tontura e sinto que se antes de afogar, desmaio. Escuto desde aqui a máquina fazendo seu trabalho. Ela gira a um lado e outro sem sair do lugar, as roupas se alvejam. O volume baixa e depois volta a subir. Enche o tanque e mergulho de olhos fechados. Tudo submerso em água macia. Não sinto minhas lágrimas desde o chão da sala. Veneza desejada. Parto limpa a torcer peça por peça. Vou ao quintal. Estendo em corda bamba e outra vez, me estiro. Vejo o alto. A forma como o vento leva em gotas este silêncio não se repete.


Ellen Maria

17.3.16

calendário

Saudades dos tempos da feira no emissário.
Lembrar de ver televisão no mudo
de vez em quando
e sentir falta daquilo que não viveu
o não que antecedeu
a pergunta
caiu como argolas na barraca de brinquedo
não havia promessa de prêmio
nem um anel de plástico
guardo os dedos no bolso
enquanto outros parecem derreter
na areia molhada da praia de Santos.


Ellen Maria

16.3.16

el amor

"El amor es uma droga poderosa.
El amor non es uma droga poderosa
El amor es uma droga azul.
El amor non es uma droga azul
El amor es uma droga que non foi inbentada por los romántico alemanes.
El amor non tiene dueño.
El amor es uma droga dulce.
El amor non es uma droga dulce.
El amor es uma droga mais elegante que cocacína.
El amor es uma droga muy real
El amor non es uma droga muy real.
El amor vai deixar a todos numa boa.
El mor non es uma droga.
El amor cai deixar a todos numa boa.
El amor es la mais hermosa de las drogas."

Douglas Diegues.

15.3.16

gallina & yo

"tuve una vez
una relación sentimental
con una gallina

los sentimientos
los puse yo

la gallina
solo estaba
(yo pensé)
o se sentía
(yo creí)
sola

ni lo uno
ni lo otro
ni la gallina

todo lo sigo
poniendo yo"

Ismael Velazquez Juarez

14.3.16

não sigo

"te seguiria se não loba fosse
e uma matilha não uivasse minha falta
mesmo desajeitada em pegadas
mesmo estrada fechada, aberta a faro e uivos
te seguiria
não fosse a embolia mal resolvida que me habita
quando avanço trilha mal fadada
não fossem frustradas tentativas de reconstrução
reinos novos, indício de fracasso
o embaraço estampado no rosto
não fosse esta vida osso
dureza de engolir
te seguiria
só pra ver onde dá este trajeto
sentir o teto faltar
e o aconchego do teu corpo sob o céu estrelado."

Nil Kremer

13.3.16

Água gourmet

Desejo ardente
de apagar
com um cuspe
aquele cigarro
caro & rústico
de tabaco orgânico.

Ellen Maria

12.3.16

A tradição das servidões

Páginas assinadas made in china
arrasaram com a minha fome
de originalidade.
Não quero escrever
Não há amor na reprodução.
Repito: não há amor.
A própria vida é uma absurda
máquina de policópias
que incide o erro
um invento
igualmente chinês
o qual nunca entenderei
o manual de instruções.


Ellen Maria

11.3.16

o desejo diluindo-se no escuro, à espera

o sexo atravessado
pelas diversas imagens
de sexo o sexo
atravessado
pelas
diversas imagens de sexo
atravessadas pelas diversas
imagens de sexo
o sexo.

Ellen Maria

10.3.16

se sou eu

"talvez
o que me escape
seja o que mais salte
em mim

sabe lá
se o que eu não veja
reze pelos meus cantos
assim seja

portanto
o que me fuja da memória
à revelia
revele minha história

que nem eu saiba mais enfim
se sou eu que ando por aí
em carne osso coração e mente
ou se é meu fantasma demente
rindo de todo mundo
e de mim."

Fernando Abreu

9.3.16

acabamento

"há o que acaba. por mais que se esperneie.
acaba, e lateja, mas acaba, porque acaba,
porque, mesmo que se esperneie, acaba e
não há o que fazer porque não depende de
nada que se possa ou se queira. acaba.
a coisa toda acaba, engula logo o bagaço."

Luana Muniz

8.3.16

Fragmentos de una alabanza inconclusa

"Debe haber un poema que hable de ti,
un poema que habite algún espacio
donde pueda hablarte sin cerrar los ojos,
sin llegar necesariamente a la tristeza.
Debe haber un poema que hable de ti y de mí.
Un poema intenso como el mar,
azul y reposado en las mañanas,
oscuro y erizado por las noches
irrespetuoso en el orden de las cosas, como el mar
que cobija a los peces y cobija también a las estrellas.
Deseo para ti el sencillo equilibrio del mar, su profundidad
y su silencio, su inmensidad y su belleza.
Para ti un poema transparente,
sin palabras dificiles que no puedas entender,
un poema silencioso que recuerdes sin esfuerzo
y sea tierno y frágil como la flor que no me atreví a enredar
alguna vez en tu cabello.
Pero qué dificil es la flor si apenas la separamos del tallo
dura apenas unas horas,
qué dificil es el mar si apenas le tocamos se marcha lentamente
y vuelve al rato con inesperada furia.
No, no quiero eso para ti.
Quiero un poema que golpee que golpee tu almohada en horas de la noche,
un poema donde pueda hallarte dormida, sin memoria,
sin pasado posible que te altere.
Desde que te conozco voy en busca de ese poema,
ya es de noche. Los relojes se detienen cansados en su marcha,
la música se suspende de un hilo
donde cuelga tristemente tu recuerdo.
Ahora pienso en ti y pienso
que después de todo conocerte no ha sido tan dificil
como escribir este poema."

Eduardo Chirinos

7.3.16

O banho de xampu

"Os liquens - silenciosas explosões
nas pedras - crescem e engordam,
concêntricas, cinzentas concussões.
Têm um encontro marcado
com os halos ao redor da lua, embora
até o momento nada tenha mudado.
E como o céu há de nos dar guardia
enquanto isso não se der,
você há de convir, amiga,
que se precipitou;
e eis no que dá. Porque o tempo é,
mais que tudo, contemporizador.
No teu cabelo negro brilham estrelas
cadentes, arredias.
Para onde irão elas
tão cedo, resolutas?
- Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia
amassada e brilhante como a lua."

Elizabeth Bishop
Tradução: Paulo Henriques Britto

6.3.16

Sarah

"
* agora q recebi o salario com o convite *
* pra me tornar encadernadora na biblioteca *
* de hugo bergman em jerusalem *
* posso fazer as compras da semana pois *
* nem pão nem leite nem ovos nem frutas *
* nem legumes nem presunto e nenhum queijo *
* tenho vivido de agua com açucar *
* roubado do restaurante aqui em tel aviv *
* onde sou garçonete e os bolinhos do lixo *
* essa com certeza não é toda a verdade *
* mas ?onde toda a verdade poderia surgir *
* ha sempre as horas q escondemos com gula *
* principalmente as horas na casa de sarah *
*  onde rimos e jantamos nuas na sala *
* olhando de vez em quando a cama *
* pois sabemos q depois do jantar retomamos *
* como se nada houvesse antes naquele dia *
* e depois haveria ovos cozidos e mostarda *
* com certeza isso não era sempre *
* e a fome rondava calcanhares e olhos *
* com livros roubados sobre encadernação *
* pra terminar o curso de encadernação *
* em couro e papel do instituto ernst pawel *
* inda essa semana disse nua eu a sarah *
* depois de um dos nossos jantares na sala *
* vendo com olhos gordos e safados a cama *
* desalinhada e torta no quarto e tão bela *
* quando ela me disse que não deixaria *
* tel aviv pra ir viver em jerusalem nunca *
* principalmente comigo q era como era *
* é possível q desde esse dia eu tenha perdido *
* a certeza q cada um de nos tem naquilo *
* q é e desde então giro no escuro *
* disse a ela q eu ja era a encadernadora *
* da biblioteca de hugo bergmann *
* em jerusalem e q logo partiria *
* q não voltaria sequer pro restaurante *
* depois dessa noite com ela e gostaria *
* q ela fosse comigo pra jerusalem *
* ela me olhou nua daquela maneira *
* como se tivesse toda vestida e disse*
* nem q vc fosse uma ratazana persa *
* desde esse tempo tenho vivido aqui *
* em jerusalem encadernando livros *
* na biblioteca de hugo bergmann*
* sei que sarah tem 2 filhos e vive feliz *
* como todas as mulheres q sabem mentir *
* assim tão bem como so ela sabe*
"

Alberto Lins Caldas

5.3.16

Cadeia alimentar

"de que lado você nasceu
nesta bagunça?
por dentro ou por fora
do cassetete extensível?
à frete ou atrás das balas afoitas
por corpos negros?
acima ou embaixo dos tanques israelitas?

você que toma água
ou engole lama?
você que fala
ou sufocada a voz?
você que decide sua barriga
ou morre pelo bisturi em açougues?
é você que mora
ou se enterra?

você que pisa em indigentes
ou o que dorme no chão,
no meio do passeio público
na via de acesso dos pedestres
nos pontos finais da praça rodoviária
da estação Santana do Metrô?

você que xinga indígenas
ou o que morre no chão
no meio do passeio público
na via de acesso dos pedestres
nos pontos finais dos ônibus
da Estação Rodoviária de Imbituba?

de que lado da cadeia alimentar
você pensa que está?"

Claudinei Vieira

4.3.16

trinta

"eu dizia que as pequenas coisas conferem uma circunspeção gradual
a que tomamos gosto quando as horas passam e já não envelhecemos
expunha numa espécie de transe meus olhos secos de chorar, o borrão vermelho no rosto
aos vinte nasci gritando
aos trinta amo o jeito como gozamos e ainda que me rasgue a pele
eu já odeio, aprendo a odiar, já não me assusto tanto
os projetos são intermináveis como a vida
os amores são mercúrio-cromo
e a febre é a arma contra casuísmos de qualquer jaez
só me viciei em café, e nas tais pequenas coisas que excedem a lembrança
ainda me falta o patamar da paciência
e todo poema é escrito com a velocidade da discórdia
certo afinco, nenhum perfeccionismo
e tudo tarda e chega tão depressa
e a vocação é um álibi impreciso para os solitários
e a música continuará tocando
the sound of silence e a modesta coreografia dos dez anos."

Roberta Tostes Daniel

3.3.16

Cama nova

Quantas vezes você pode estrear uma cama
com flores mortas em um buquê
e aplausos de pé da plateia
aquela, seus olhos
que brilham e se espantam no escuro
com tamanho pedaço de tela
madeira, molas, espuma nova
e lençol cheiroso
Quantas vezes você pode lembrar
de ter dormido sem querer tocar a malha
para não amassar, não sujar
Quantas vezes você pode dizer
que impregnou a própria cama
de suor pela primeira vez
tomar banho para jogar fora toda e qualquer
célula velha
e ter um sonho que ela jamais sonhou em ter
Uma cama nova para uma só pessoa
ainda que caibam duas e até três
Uma cama que habita um quarto
que colore uma colcha
que não cabe de tanto riso
quantos dentes cabem no espelho
do lado oposto
hoje só meu o espelho, o riso, a cama
depois virão outros corpos
estranhos corpos e conhecidos
que a cama não sabe
mas acolherá e fará festa
guardará em sua memoria
que toda imagem será de boas vindas
Uma cama para quem a compra
é moldura para o amor
asilo de más
mas a maior parte de boas
noites
Uma cama para quem estreia
Hoje é a estrela.


Ellen Maria

2.3.16

Ilhas secretas

Inundo a casa na memória,
aprendo a escrever
como hábito diário.


Ellen Maria

1.3.16

Pior cego é aquele

homem bicho
de seda
que faz do ninho
mundo
da carne do umbigo
renda
e se venda
ainda que tenha
espelho no teto.


Ellen Maria